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Papo Olímpico
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Jogos Olímpicos de 2036

Como a Copa pode ajudar ou atrapalhar as pretensões olímpicas do Catar

Por
Marcio Antonio Campos
08/12/2022 13:00 - Atualizado: 04/10/2023 20:20
O emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani (à direita), e o presidente da Fifa, Gianni Infantino (à esquerda), antes de Brasil x Suíça: próximo objetivo do emirado é sediar os Jogos Olímpicos.
O emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani (à direita), e o presidente da Fifa, Gianni Infantino (à esquerda), antes de Brasil x Suíça: próximo objetivo do emirado é sediar os Jogos Olímpicos. | Foto: Laurent Gillieron/EFE/EPA

O Catar está recebendo a Copa do Mundo, mas o maior torneio de futebol do planeta sempre foi o “plano B” da família que governa o emirado. O grande sonho de Hamad bin Khalifa Al Thani, o pai do atual emir, Tamim bin Hamad Al Thani, era sediar os Jogos Olímpicos, e o futebol só acabou entrando na história depois da candidatura olímpica frustrada de Doha para 2016. Em 2011, já tendo assegurado a Copa, o Catar tentou de novo garantir os Jogos Olímpicos, e desta vez a frustração foi ainda maior: mesmo havendo apenas cinco candidaturas para 2020 (Baku, Doha, Istambul, Madri e Tóquio), o COI decidiu excluir as capitais do Catar e do Azerbaijão da escolha final, deixando apenas três cidades candidatas. Agora, com a Copa se encaminhando para seu desfecho, os cataris voltam a alimentar o sonho olímpico para 2036. A pergunta é: o futebol ajudou ou atrapalhou?

O pré-Copa foi bem prejudicial para a imagem do Catar como país e como parceiro de negócios. Começou com toda a controvérsia sobre as mortes de operários durante a construção dos estádios e terminou com a proibição, às vésperas do pontapé inicial de Catar x Equador, da venda de cerveja nos estádios e também no seu entorno; oficialmente, foi uma decisão conjunta, mas o mais provável é que ela tenha sido simplesmente enfiada goela abaixo da Fifa e da Budweiser, patrocinadora oficial. Por mais que não haja cervejarias no programa global de patrocínio olímpico, e que a interferência do governo do Catar tenha ocorrido em um assunto diretamente ligado às regras religiosas locais, o COI pode ficar com o pé atrás diante do que foi uma demonstração de força das autoridades cataris para derrubar algo previamente acertado em contrato. E, como uma eventual escolha de Doha como sede olímpica exigiria a construção de novas instalações, a probabilidade de novas violações de direitos humanos voltaria com força.

O pré-Copa foi bem prejudicial para a imagem do Catar como país e como parceiro de negócios

Além disso, temos toda a história dos protestos. Neste momento em que o COI até emendou a Carta Olímpica para ampliar as possibilidades de protestos e manifestações por parte dos atletas, o movimento olímpico estaria disposto a mandar seu grande evento para um país que fez questão de proibir demonstrações simples de apoio à causa LGBT? E aqui eu faço um disclaimer: ninguém precisa ser a favor de todas as demandas da pauta identitária para reconhecer que punir com prisão o ato homossexual é algo claramente abusivo; no papel, até a pena de morte por homossexualidade é prevista no Catar caso se trate de muçulmanos julgados por um tribunal religioso, embora não exista registro de que ela tenha sido aplicada no país. Para uma entidade que está realizando uma ofensiva pública para se mostrar mais tolerante e mais oposta a qualquer tipo de discriminação, mandar os Jogos Olímpicos para um país como o Catar seria um contrassenso.

Mas sempretem um “mas”...

No entanto, por mais que queiramos crer que as controvérsias da Copa fariam naufragar uma candidatura olímpica catari, precisamos olhar para o outro lado. E o COI tem lá seus laços com autocracias que desprezam os direitos humanos. Você pode criticar a Fifa por contribuir com a censura catari ao se portar como mafiosa no caso das braçadeiras arco-íris (“Que linda essa braçadeira. Não seria horrível se acontecesse algo por causa dela, por exemplo o seu capitão levar um cartão amarelo?”), mas o próprio Thomas Bach em pessoa topou fazer parte de um teatrinho quando a ditadura chinesa resolveu dar um sumiço na tenista Peng Shuai, após ela ter denunciado um figurão do Partido Comunista por assédio sexual. E o COI não se mexeu para garantir o direito dos atletas à liberdade de expressão depois de o vice-diretor-geral do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, Yang Shu, ter dito que “qualquer manifestação que esteja alinhada com o espírito olímpico certamente está protegida, e qualquer comportamento ou discurso que seja contrário ao espírito olímpico, especialmente contra as leis e regulamentos da China, estarão sujeitos a algum tipo de punição”, na prática barrando críticas ao genocídio dos uigures ou à situação do Tibete.

E, apesar de toda a reclamação, o fato é que nenhuma seleção topou comprar a briga. Os dinamarqueses reclamaram, reclamaram, reclamaram, mas foram lá e jogaram (a não ser que você considere futebol medíocre como uma forma de boicote). Os alemães não passaram daquela foto com a mãozinha na boca. Convenhamos: quem realmente quisesse mandar uma mensagem poderosa contra a discriminação teria ido mais longe. O time teria deixado de ir à Copa; ou teria entrado com a braçadeira de arco-íris e levado o primeiro amarelo, o segundo amarelo com vermelho, e aí o capitão expulso passaria a braçadeira para outro, que levaria dois amarelos e assim por diante até a partida ser prematuramente encerrada por falta de jogadores. Seria um enorme constrangimento midiático para a Fifa, mas ninguém teve essa ousadia. Infelizmente não lembro agora quem foi que tuitou algo como “que dureza deve ser sair do armário num esporte onde seus colegas não topam nem levar um amarelo em solidariedade a você” (não lembro as palavras corretas, mas a ideia é essa).

Para terminar, o problema adicional é que todo o processo de escolha ficou mais nebuloso com o fim daquela votação entre todos os membros do COI, substituída pela tal conversa permanente entre uma comissão e as cidades interessadas. Os mais cínicos dirão que agora é menos gente para subornar, e dinheiro o Catar tem de sobra. Mas mesmo para quem não duvida da lisura dessa comissão de escolha de sedes ainda há muitas dúvidas sobre os méritos do novo método de seleção, especialmente quanto ao destino das candidatas “derrotadas”. Em um cenário desses, não seria nada absurdo se o Catar conseguisse chegar à fase do “targeted dialogue”.

A sorte do COI é que têm aparecido opções muito mais palatáveis em termos de direitos humanos, respeito à democracia e à liberdade de expressão para sediar tanto os Jogos Olímpicos quanto os Jogos Olímpicos de Inverno. Para 2030 há interesse de Estados Unidos e Japão (o Canadá estava no páreo, mas perdeu o apoio governamental); para 2036, há interesse prévio de Alemanha, Itália, Reino Unido, Coreia do Sul, Dinamarca, Canadá e México. É um cenário bem diferente de 2022, quando a escolha era apenas entre China e Cazaquistão; ao menos no curto e médio prazo, os Jogos só voltam para uma autocracia se o COI realmente quiser compactuar com o chamado sportswashing (a “lavagem de reputação” de um país por meio do esporte). Mas, se considerarmos que o Catar foi escolhido para a Copa num processo que também tinha Austrália, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos, não dá para descartar nada...

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