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Papo Olímpico
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Entrevista

Como proporcionar uma grande experiência olímpica aos voluntários

Por
Marcio Antonio Campos
25/11/2022 15:25 - Atualizado: 04/10/2023 23:16
Nada Rochevska foi porta-bandeira da Ex-República Iugoslava da Macedônia na cerimônia de encerramento da Rio-2016.
Nada Rochevska foi porta-bandeira da Ex-República Iugoslava da Macedônia na cerimônia de encerramento da Rio-2016. | Foto: Arquivo pessoal

Conheci Nada Rochevska quando fui voluntário na Rio-2016. Tínhamos a mesma função, assistente de comitê olímpico – eu fui designado para ajudar a delegação do Camboja e ela, para seu país natal, a Macedônia do Norte (à época conhecida por Ex-República Iugoslava da Macedônia). Sua dedicação lhe rendeu até a escolha para ser a porta-bandeira dos macedônios na cerimônia de encerramento, honraria que normalmente cabe a algum atleta. Mas para ela o voluntariado esportivo não é apenas um interesse pessoal; tornou-se carreira. Foi tema de suas dissertações de mestrado em Administração Esportiva e Estudos Olímpicos, e agora é o seu campo de trabalho. Advogada de formação e ex-jogadora de basquete, com passagem pela seleção nacional, Rochevska dá palestras sobre voluntariado e criou a NR Sports Volunteering Solutions, consultoria sediada na Alemanha, especializada no gerenciamento de programas de voluntariado esportivo e que já prestou serviços a entidades como a Federação Internacional de Basquete (Fiba) e a Federação Europeia de Futebol (Uefa).

Com a recente divulgação do calendário do programa de voluntariado de Paris-2024 – as inscrições ocorrerão em um período de seis a oito semanas, começando em março do ano que vem –, entrevistei Rochevska por escrito, a respeito de sua dupla experiência, como voluntária e líder de voluntários. Falamos das expectativas e dos motivos que levam as pessoas a querer ser voluntários olímpicos, dos erros mais comuns cometidos por quem pretende ser voluntário e por quem gerencia equipes, e de como proporcionar uma experiência olímpica memorável para todos os que tiverem o privilégio de receber a cartinha dizendo “você foi escolhido” – o que, para mim, ocorreu em 2015 exatamente numa Black Friday como esta.

Você esteve e está nas duas pontas do processo: foi
voluntária e gerente de programas de voluntariado. Como cada um desses papéis
lhe ajuda a exercer bem o outro?

Eu comecei sendo voluntária, e isso me abriu muitas portas no campo da administração esportiva. Pude ter experiências bem diversas em várias áreas da organização de eventos esportivos e pude decidir que tipo e tamanho de evento era ideal para mim. Depois de cada evento, eu estava totalmente energizada. E morria de saudades da adrenalina, do agito, até da tensão, da comunicação intensiva com meus colegas, do amor que compartilhávamos pelas mesmas coisas, da mentalidade comum que nos guiava. E isso me fez decidir que o voluntariado esportivo seria o tema da minha pesquisa acadêmica e, depois, da minha carreira profissional. Digo que fiquei obcecada pelo voluntariado esportivo. Quando percebi como ele mudou tantas vidas, como ele proporcionou desenvolvimento pessoal para tanta gente, decidi que, pelo resto da vida, era isso que eu iria fazer. Foi assim que, oito anos depois, aqui estou eu com minha empresa de consultoria.

“Para os que estão interessados em uma carreira no mundo do esporte, o voluntariado é uma grande chance de adquirir experiência sobre o funcionamento da indústria do esporte.”

Nada Rochevska, voluntária olímpica e consultora para programas de voluntariado esportivo

Ainda hoje, quando tenho tempo, gosto de ser
voluntária em competições esportivas. Gosto de estar desse outro lado, de conversar
e compartilhar experiências com voluntários, ouvir suas histórias, suas ideias
sobre como podemos melhorar essa comunidade global de voluntários e a
organização dos eventos. Minha experiência me mostrou que essa é a melhor forma
de obter insights que vão me ajudar a melhorar o trabalho de
gerenciamento de voluntários. É assim que faço: estou sempre entre os
voluntários, seja liderando-os ou sendo voluntária eu mesma.

Por que alguém deveria considerar a ideia de ser
voluntário em um megaevento esportivo?

Dizemos que “você se torna um voluntário não pelo que
você ganha ali, mas pelo que você se torna ao fazer isso”. O trabalho
voluntário ajuda os comitês organizadores locais a desenvolver e manter um
legado de gente bem treinada para a indústria do esporte, para os próximos
eventos esportivos que o país sediar, e para quaisquer outras necessidades de
voluntariado. Mas também existem muitos benefícios pessoais e profissionais
para os voluntários, e muitas portas podem se abrir para eles.

No começo da jornada de um voluntário, durante o
treinamento, ele recebe ajuda para desenvolver as habilidades necessárias para
a posição que ele vai exercer. É o tipo de treinamento que, feito por conta
própria, seria caro, e os voluntários o recebem gratuitamente. Depois, na
interação com os colegas, eles descobrem culturas e hábitos diferentes, de
gente do mundo todo. Têm a chance de praticar um outro idioma, ampliar seus
horizontes e ver as mesmas coisas de um ângulo diferente daquele do seu país de
origem. Quando o trabalho voluntário ocorre dentro de um time multinacional, o
voluntário amplia sua capacidade de compreender novas culturas e desenvolve capacidades
essenciais de comunicação, porque é preciso entender como cada um se expressa
dependendo do lugar de onde vem. O voluntariado nos ensina a interagir com pessoas
de diferentes culturas, sendo respeitoso com todos sem perder de vista o
trabalho que tem de ser feito.

Outra vantagem que muitos voluntários têm é a possibilidade de estar perto de atletas mundialmente famosos, ajudá-los e, de certo modo, fazer parte do seu sucesso. E, para os que estão interessados em uma carreira no mundo do esporte, o voluntariado é uma grande chance de fazer contato direto com pessoas importantes na área, abrir caminhos, adquirir experiência sobre o funcionamento da indústria do esporte ou de alguma modalidade em particular – tudo isso pode virar a chance de conseguir, mais tarde, um “emprego dos sonhos”.

Antes da Copa de 2014 e dos Jogos do Rio, ouviu-se
muito por aqui que ser voluntário era uma bobagem porque as pessoas estariam
trabalhando de graça para entidades que lucram bilhões, como a Fifa e o COI.
Havia até um neologismo, “volotário”. Isso faz algum sentido?

Isso tem a ver com o grau de desenvolvimento da
cultura do voluntariado em geral e do voluntariado esportivo em particular em
cada país. E isso depende de fatores socioeconômicos, culturais, históricos e
financeiros. A partir da minha experiência pessoal, percebi que nações
desenvolvidas têm uma compreensão do trabalho voluntário que é diferente
daquela de um país em desenvolvimento, com renda per capita menor. Em algumas
regiões do mundo onde o voluntariado não está desenvolvido e as pessoas
normalmente enfrentam dificuldades financeiras no dia a dia, o voluntariado é
visto como uma “atividade mal remunerada”, e é mais prevalente o foco em recompensas
financeiras aos voluntários.

Além disso, quando o país não é sede habitual de
eventos esportivos grandes e significativos, a ponto de não perceber nem mesmo
as vantagens de sediar eventos menores, os cidadãos não estão diretamente
expostos ao voluntariado, nem às vantagens que ele traz, e não têm a chance de
enxergar o voluntariado como algo que traz vantagens diferentes para todos.

É possível mudar isso? Sim, mas não é fácil. As pessoas terão a chance de enxergar o voluntariado de uma forma diferente se forem expostas aos grandes eventos esportivos, puderem interagir com torcedores e voluntários de outros países, envolver-se diretamente com o evento, descobrir os benefícios de ser voluntário. Os envolvidos na indústria do esporte (federações, clubes, comitês organizadores) precisam investir em educação para o voluntariado esportivo. E, claro, quando se tem a chance de ser voluntário em um megaevento esportivo, a sua percepção muda completamente.

Antes de se dedicar ao voluntariado esportivo, Nada Rochevska jogou basquete pela seleção de seu país, a Macedônia do Norte. Foto: Goran Djalevski
Antes de se dedicar ao voluntariado esportivo, Nada Rochevska jogou basquete pela seleção de seu país, a Macedônia do Norte. Foto: Goran Djalevski

Quais os maiores equívocos que os candidatos a um
posto de voluntário olímpico cometem? E como os comitês organizadores podem
evitar que uma expectativa irreal se transforme em decepção e desistência?

Cada voluntário tem suas razões para querer estar nos
Jogos Olímpicos. E há aqueles que são especialmente motivados pela
possibilidade de encontrar e conversar com atletas de ponta, celebridades do
esporte, ou então de poder assistir às competições sem precisar de ingressos. Por
isso é tão importante que os responsáveis por gerenciar os voluntários conheçam
suas equipes e suas motivações. Devemos valorizar o seu interesse e reconhecer
o seu esforço, mas também precisamos deixar claras algumas coisas, e também que
há regras a seguir.

É verdade, por exemplo, que algumas funções permitirão
aos voluntários ter comunicação direta com os atletas, ou ao menos estar perto
deles. Dependendo do local de trabalho para o qual forem designados (por
exemplo, um estádio ou ginásio), podem ter a oportunidade de acompanhar alguma
prova em seu tempo livre ou mesmo como parte do trabalho. Mas, em primeiro
lugar, nem todos terão essa chance. E, em segundo lugar, é preciso lembrar que
os voluntários são o “rosto” do evento, representam não apenas a si mesmos, mas
os Jogos Olímpicos, aquela modalidade específica, a federação internacional, o
país-sede e o seu povo por meio do seu uniforme e do seu comportamento. Eles
não podem se esquecer disso – e é obrigação do gerente garantir que eles tenham
isso em mente.

Então, quando determinada função dá acesso aos atletas, por exemplo, os líderes precisam explicar já durante o treinamento que há regras, códigos de conduta, linhas que o voluntário não pode cruzar – por exemplo, a respeito de poder abordar atletas, mesmo que seja só para uma selfie. Se fizermos isso da forma certa, vamos ser capazes de manter o interesse do voluntário e ao mesmo tempo evitar situações impróprias. Não é fácil, mas é importante para construir um time vencedor, com voluntários felizes e satisfeitos, que fazem bem o seu trabalho e realizam o seu sonho. Todos ganham – os líderes, os voluntários e aqueles com quem eles interagem, sejam atletas, dirigentes, imprensa ou torcedores.

“Quando determinada função dá acesso aos atletas, os líderes precisam explicar já durante o treinamento que há regras, códigos de conduta, linhas que o voluntário não pode cruzar.”

Nada Rochevska

Quais são os principais motivos para que os
voluntários desistam no meio de uma competição?

Há um misto de várias razões: às vezes a realidade não
corresponde à expectativa, as condições de trabalho (comida, turnos) não são
boas, os “chefes” nem sempre tratam bem os voluntários, as pessoas não são alocadas
da melhor forma... além disso, infelizmente, nem todos os voluntários têm uma
boa ética de trabalho.

Minha experiência mostra que a principal razão pela
qual os voluntários desistem é a sensação de não ser útil, quando suas
capacidades e conhecimento não são corretamente aproveitados por meio de uma
distribuição correta de funções e tarefas. O voluntário fica ali, sentado sem
fazer nada durante o evento, aborrecendo-se. Podemos ter certeza de que esse
voluntário não vai ficar até o fim – e isso é uma grande falha, a maior falha
que um líder de voluntários pode cometer.

Outra razão tão importante quanto frequente é a falta
de reconhecimento da parte do coordenador dos voluntários pelo trabalho que
está sendo feito. E aqui eu falo como uma gerente: os voluntários estão nos
dando o que têm de mais precioso, seu tempo. Precisamos apreciar esse
fato e trabalhar com eles de forma profissional e respeitosa. Um bom programa
de voluntariado é estrategicamente bem desenvolvido, com valores definidos e
implementação operacional bem-feita (recrutamento, avaliação, seleção,
treinamento, coordenação, retenção, motivação, reconhecimento). Isso é crucial
para que o voluntariado seja uma parte importante do sucesso de um evento.

E quais os maiores erros cometidos por quem gerencia
programas de voluntariado?

Infelizmente, em nossa área muita gente ainda acha que
qualquer um pode gerenciar voluntários, que é fácil. Mas então o evento começa,
os problemas aparecem, e a realidade muda – só que aí são sempre os voluntários
que pagam o pato do mau gerenciamento.

Quando a parte operacional do programa de voluntariado começa tarde, isso enfraquece a conexão entre os administradores e os voluntários, que precisam ser bem distribuídos de acordo com suas habilidades e conhecimentos. Os voluntários são pessoas, e gerenciamento de voluntários tem a ver com o melhor aproveitamento de suas capacidades, com liderança e com respeito – assim como qualquer bom departamento de RH faz. Não há como “conhecer” os voluntários apenas com o formulário de inscrição, sentados em nossos escritórios, sem encontrá-los pessoalmente ou pelo menos on-line, conversar com eles, saber por que eles querem ser voluntários, que tipo de trabalho fazem. Quanto mais conhecemos nossos voluntários, seus motivos, expectativas, interesses, habilidades, o que é importante para eles, melhor podemos combinar tudo isso com os valores e necessidades da organização e criar um programa que seja bom para todos.

Nada Rochevska na vila olímpica dos Jogos Olímpicos de Inverno da Juventude de 2020, em Lausanne (Suíça). Foto: Arquivo pessoal
Nada Rochevska na vila olímpica dos Jogos Olímpicos de Inverno da Juventude de 2020, em Lausanne (Suíça). Foto: Arquivo pessoal

O COI e os comitês organizadores locais reconhecem
devidamente o papel dos voluntários nos seus eventos? O que eles deveriam fazer
a esse respeito?

Cada programa de voluntariado olímpico tem um foco
primário, valores diferentes, objetivos a serem alcançados ou mudanças que
pretende promover. Alguns programas priorizam o desenvolvimento de um legado de
voluntariado com conexões sociais; outros privilegiam a educação sobre os
valores olímpicos, como foi o caso de Tóquio-2020. Acredito que o COI e os
comitês organizadores olímpicos locais estão, sim, reconhecendo devidamente o
papel dos voluntários em seus eventos. Mas não digo o mesmo de muitas entidades
esportivas em nível mais baixo. Em todos os casos, no entanto, sempre existe espaço
para se fazer algo mais.

Que conselho você daria para quem está cuidando do
programa de voluntariado de Paris-2024?

O principal foco do programa de voluntariado de Paris é aumentar o envolvimento de voluntários nos clubes e federações esportivas depois dos Jogos, e, indiretamente, elevar a participação dos franceses em atividades esportivas em geral. Sei que meus colegas de Paris têm experiência suficiente para proporcionar uma experiência inesquecível para os voluntários, especialmente nesses que serão os primeiros Jogos pós-pandemia, que poderão voltar a contar com voluntários olímpicos estrangeiros, esses que chamamos de “ciganos olímpicos”.

“Quem for selecionado para ser voluntário em Paris certamente terá a experiência de sua vida.”

Nada Rochevska

O conselho que eu dou para os responsáveis pelo
voluntariado em Paris é ouvir mais e melhor o que os voluntários têm a dizer.
Perguntem, conheçam seus voluntários o melhor que puderem. Só conhecendo as
motivações, as personalidades e como eles encaram o trabalho voluntário é que
se poderá fazer as melhorias necessárias para que o evento seja mais agradável
para todos, especialmente para os voluntários, que poderão viver uma
experiência inesquecível.

E para quem pretende ser voluntário em Paris?

Quem for selecionado certamente terá a experiência de
sua vida. E, para esses voluntários, eu divido meus conselhos entre antes e durante
os Jogos – mas, em todos os momentos, nunca se esqueçam de se divertir.

Antes do evento, pesquise sobre a França, sua cultura,
sua história, os hábitos e costumes locais; entenda o lugar para onde você está
indo. “Esqueça” as suas experiências e aquilo pelo que já passou, no sentido de
estar pronto para abrir a mente e abraçar um desafio novo. Prepare-se
mentalmente e fisicamente, pois ser voluntário em um megaevento esportivo é algo
bastante exigente. Mas também lembre-se de aproveitar a viagem, algo tão
essencial quando o trabalho voluntário; faça uma lista dos locais que você
gostaria de visitar, e use bem o tempo livre.

Durante o evento, conheça os seus colegas vindos de todo
canto do planeta, passe tempo com eles, encontre coisas em comum, compartilhe a
sua história. Não alimente expectativas irreais, aceite as diferenças e tenha consciência
da oportunidade que você recebeu. Seja flexível, paciente, tenha a mente aberta,
pergunte, esteja atento à nova cultura, seja respeitoso com todos e aproveite!

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