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Papo Olímpico
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Kamila Valieva

Russos fazem o mundo esportivo de otário mais uma vez

Por
Marcio Antonio Campos
12/11/2022 02:22 - Atualizado: 04/10/2023 19:49
A russa Kamila Valieva patina durante os Jogos Olímpicos de Pequim: primeiro salto quádruplo de uma patinadora em competição olímpica foi ofuscado por caso de doping.
A russa Kamila Valieva patina durante os Jogos Olímpicos de Pequim: primeiro salto quádruplo de uma patinadora em competição olímpica foi ofuscado por caso de doping. | Foto: How Hwee Young/EFE/EPA

Quem levou o ouro na prova de patinação artística por
equipes nos Jogos Olímpicos de Pequim, em fevereiro deste ano? Ninguém sabe. No
gelo, foi a equipe do (suspiro) Comitê Olímpico Russo, mas o problema é que
naquela equipe estava uma das grandes personagens dessa edição dos jogos.
Kamila Valieva foi manchete menos por seu enorme feito atlético (o primeiro salto
quádruplo executado por uma mulher em Jogos Olímpicos) que por toda a controvérsia
envolvendo seu teste positivo de doping realizado no fim de 2021, e que a
tornaria inelegível para competir em Pequim.

Resumindo o caso: depois do campeonato russo de patinação, em dezembro de 2021, Valieva fez um teste antidoping que deu positivo para trimetazidina; a contraprova também deu positivo. Mas o laboratório sueco responsável pelo teste só entregou o resultado em 8 de fevereiro de 2022, quando a prova olímpica por equipes já tinha acontecido. A agência russa antidoping (Rusada) suspendeu Valieva provisoriamente e, no dia seguinte, reverteu a suspensão; o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Patinação (ISU) acionaram o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS), que manteve a decisão da Rusada, permitindo que Valieva competisse na prova individual. O COI, então, decidiu que, se Valieva fosse ao pódio, não haveria entrega de medalhas (como já não havia ocorrido para a competição por equipes) até que a situação da patinadora tivesse uma definição final, mas nem foi preciso adiar nada: Valieva dominou o programa curto, mas os nervos não aguentaram e ela falhou grotescamente no programa livre, terminando em quarto lugar.

Ao optar pelo sigilo no caso de Valieva, a agência russa ajuda a deixar o resultado da prova por equipes em um limbo, numa tentativa de vencer pelo cansaço

Tudo isso, no entanto, funcionou como as nossas liminares
judiciais, tudo em caráter provisório. Faltava julgar, digamos, o “mérito” da questão.
O desfecho óbvio e justo seria que a Rusada suspendesse Valieva, com a punição
retroagindo a dezembro de 2021, o momento em que ela competiu dopada. Pelas
regras da ISU, todos os resultados posteriores da patinadora seriam anulados, e
muito provavelmente os russos perderiam o ouro por equipes também. Mas a Rusada
sentou em cima do caso... até o fim de outubro, quando mais uma vez resolveu
tirar uma com toda a comunidade esportiva mundial.

Alegando que, de acordo com o Código Mundial Antidoping, Valieva era uma “pessoa protegida” à época da controvérsia, pois tinha menos de 16 anos, a Rusada afirmou que simplesmente não vai tornar públicos os detalhes do processo – incluindo o veredito, que pode ou não já ter sido definido. Ela pode fazer isso? Aí é que está: poder, ela pode, porque o sigilo também está previsto no Código quando se trata de menores de 16 anos. Mas por aí já se pode imaginar como a coisa deve estar caminhando... afinal, se a patinadora tivesse sido inocentada ou estivesse em vias de sê-lo, bastaria à Rusada anunciar tudo com a maior das fanfarras – “vejam, seus carniceiros, nossa menininha é inocente!” – e deixado que os insatisfeitos apresentassem recursos ou o que fosse aos órgãos de Justiça desportiva. E olhem que o Código prevê a possibilidade de suspensões menores para “pessoas protegidas”, dependendo das circunstâncias da violação cometida.

“Palhaçada”, disse o CEO da agência antidoping
norte-americana (Usada), Travis Tygart. E tem toda a razão. A Rusada pode estar
tecnicamente amparada pelo Código Mundial Antidoping em sua decisão de não tornar
públicas as informações do caso de Valieva; mas, ao optar pelo sigilo no
episódio mais ruidoso de doping da história recente dos Jogos Olímpicos de
Inverno, a agência russa ajuda a deixar o resultado da prova por equipes em um
limbo, numa tentativa de vencer pelo cansaço e conseguir as medalhas de ouro
para os seus patinadores (ainda que Valieva fique sem a sua, uma outra
possibilidade excepcional prevista pelas regras da ISU).

Tanto o presidente do COI, Thomas Bach, quanto a Agência
Mundial Antidoping (Wada) pediram à Rusada que levantasse o sigilo no caso de
Valieva. A Wada chegou a enviar uma notificação formal no fim de outubro, mas,
como foi ignorada, acionou o Tribunal Arbitral do Esporte na última
terça-feira, dia 8. O risco, agora, é que o caso entre em uma espécie de looping.
Supondo que o CAS dê razão à Rusada e mantenha o sigilo (pode acontecer), será
impossível saber se Valieva estava ou não elegível para competir em Pequim, e
portanto será impossível à ISU e ao COI aplicar seus regulamentos para determinar
o resultado correto da prova por equipes. É como se os russos dissessem “se
esse ouro não pode ser nosso, não será de ninguém”.

Como eu venho insistindo desde o início desta coluna, nada disso teria acontecido se os russos tivessem sofrido a devida punição pelo seu megaesquema estatal de doping: suspensão do comitê olímpico nacional, atletas individuais participando como independentes, sob a bandeira e hino olímpicos, nada de participação em eventos coletivos. Em vez disso, inventaram truques como “Atletas Olímpicos da Rússia” e “Comitê Olímpico Russo”, e agora estamos aí, com mais um caso de doping (e não é um caso qualquer) e as autoridades esportivas russas fazendo o mundo esportivo de otário outra vez.

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