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Papo Olímpico
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Um evento, muitas cidades

Por que sedes “regionais” podem atrapalhar a experiência olímpica

Por
Marcio Antonio Campos
13/04/2022 16:59 - Atualizado: 04/10/2023 16:49
Village Plaza, na Vila Olímpica do Rio-2016: oportunidade de interação entre atletas de países e esportes diferentes é parte vital da experiência olímpica.
Village Plaza, na Vila Olímpica do Rio-2016: oportunidade de interação entre atletas de países e esportes diferentes é parte vital da experiência olímpica. | Foto: Marcio Antonio Campos/Gazeta do Povo

A Austrália acaba de acrescentar mais um grande evento esportivo para sua lista. Não faz muito tempo, sediou os Jogos da Commonwealth de 2018 (em Gold Coast), e já tinha sido escolhida para os Jogos Olímpicos de 2032 (em Brisbane) e para a Copa do Mundo de futebol feminino de 2023 (em conjunto com a Nova Zelândia). Agora, vai repetir a dose dos Jogos da Commonwealth em 2026, desta vez tendo como sede o estado de Victoria.

(Convenhamos, não é assim muito surpreendente. Em toda a história de quase um século dessa competição, que reúne os países da Comunidade Britânica, apenas seis vezes a sede não era do eixo Reino Unido-Canadá-Austrália: foram três na Nova Zelândia, uma na Jamaica, uma na Índia e uma na Malásia.)

A novidade é o fato de a competição de 2026 ter uma sede regional, e não mais uma única cidade: segundo o insidethegames, as cidades de Melbourne, Geelong, Bendigo, Ballarat e Gippsland estão entre as que receberão competições. Bote lá no Google Maps: você pode levar até seis horas de carro entre Gippsland e Bendigo, ou Gippsland e Geelong. E é aqui que começam as minhas queixas com essa ideia de sedes regionais, em vez de concentrar os eventos em uma única cidade, ou ao menos numa área metropolitana próxima.

Parte da graça dos Jogos Olímpicos é justamente poder reunir todos os melhores atletas de dezenas de esportes num mesmo lugar. O “estar junto”, digamos, está na essência olímpica, ainda que não seja bem o sentido do “juntos” recentemente adicionado ao lema olímpico

É bem
verdade que as competições multidesportivas estão se tornando cada vez maiores e
mais exigentes em termos de infraestrutura e logística; dividir o fardo é uma
maneira de viabilizar o evento em cidades que não são megametrópoles modernas.
Em alguns casos, isso é necessário, como nos Jogos Olímpicos de Inverno, em que
você depende até mesmo do relevo da região. Não é qualquer grande centro urbano
que tem montanhas muito próximas para as competições de esqui alpino ou para a
construção de uma pista de luge, bobsled e skeleton. Mas as olimpíadas de
inverno servem muito bem para ilustrar o que eu quero dizer.

Em Turim-2006, quando fui voluntário, as provas foram espalhadas entre sete cidades, mas você só precisava de duas horas de trem entre os dois extremos dos locais de competição, a própria Turim e Bardonecchia, onde ocorreram as provas de snowboard. Mesmo na área montanhosa, sem ferrovias, bastava uma hora de trem e uma de ônibus para chegar a Sestriere, casa do esqui alpino (e onde eu trabalhei). Era fácil assistir a duas provas diferentes em duas cidades diferentes num mesmo dia; organizando bem organizadinho, daria até para pegar três provas. Havia três vilas olímpicas: duas maiores, em Turim e Sestriere; e uma menor, em Bardonecchia.

Em comparação, Andrew Jennings relata as reclamações ocorridas antes e durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Albertville, em 1992, espalhados entre dez cidades. “Albertville não foi tanto Jogos Olímpicos, foi mais uma série de campeonatos isolados de esportes de inverno esparramados por 13 locais de competição na região da Savoia. Não tinha o calor e a proximidade de uma sede compacta, com atletas de várias modalidades impossibilitados de confraternizar e criar um sentimento olímpico real”, descreveu o jornalista em The New Lords of the Rings. Um amontoado de competições esportivas separadas é algo bem diferente do que você espera dos Jogos Olímpicos. E, a não ser que os italianos preparem algo espetacular em termos de infraestrutura para Milão-Cortina 2026, é algo que pode se repetir, porque a distância entre as sedes é enorme (vá lá que teria sido ainda pior se Estocolmo-Åre tivesse ganho). E isso mata a experiência olímpica para todo mundo, de espectadores a atletas.

Parte da
graça dos Jogos Olímpicos é justamente poder reunir todos os melhores atletas
de dezenas de esportes num mesmo lugar. Para o competidor, a convivência é elemento
importante naquelas duas semanas. Você já passa o ano inteiro se encontrando
com os outros praticantes do seu esporte, mas nos Jogos Olímpicos você está
rodeado de pessoas de outras modalidades, pode torcer pelos seus compatriotas.
Para o espectador, há a possibilidade de assistir a competições completamente
diferentes no mesmo local. O “estar junto”, digamos, está na essência olímpica,
ainda que não seja bem o sentido do “juntos” recentemente adicionado ao lema
olímpico. Mas, quando você esparrama tudo isso em uma área enorme, não está só
dificultando a vida dos atletas, dos espectadores e de quem está trabalhando no
evento de um ponto de vista prático, fazendo-os perder tempo com deslocamentos;
está diluindo uma competição única e especial, transformando-a naquilo que
Jennings chama de “série de campeonatos isolados de esportes”.

Sei que remo contra a maré, porque a Agenda 2030 do COI dá força para candidaturas regionais. Em alguns casos pode funcionar, sim – a ideia dos alemães do Reno-Ruhr era de realizar os Jogos Olímpicos em uma região metropolitana com várias grandes cidades, mas todas elas dentro de um raio de apenas 60 quilômetros; quem conhece a infraestrutura de transporte alemã sabe que deslocamento não seria um problema. Mas temo que a proposta alemã acabe sendo uma exceção, e o normal seja espalhar os esportes entre cidades distantes entre si.

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