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Mauro Cezar Pereira
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Copa América

Vaiar a seleção da CBF não é vaiar o país, como pensa Daniel Alves

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Mauro Cezar Pereira
23/06/2019 21:05 - Atualizado: 29/09/2023 16:49
Photo by Nelson ALMEIDA / AFP
Photo by Nelson ALMEIDA / AFP

Eu falei antes que a gente está representando um país. Se você nos vaia, está vaiando o seu país”. A frase de Daniel Alves após a goleada do Brasil sobre o Peru por 5 a 0, sábado, no estádio do Corinthians, ressuscita um velho debate provocado por óbvia distorção: transformar um time de futebol, no caso a seleção, em representante incontestável da nação e de todos os brasileiros.

Como pode ter tal papel uma equipe que tem o comando de uma entidade que se diz privada? Sim, a Confederação Brasileira de Futebol, mais conhecida pela sigla CBF, não integra qualquer instituição do Estado brasileiro, tampouco está subordinada ao Ministério do Esporte. Portanto, atribuir a ela tal papel não passa de uma antiga antiga falácia há décadas repetida.

Estruturalmente a CBF seria como uma empresa, o que também pode ser visto no mínimo como polêmico. Afinal, ela se apossa das cores nacionais, dos símbolos do Brasil, tem o hino brasileiro como seu na execução formal antes das partidas, além de controlar algo que pertence ao patrimônio cultural do país: o futebol. Entendê-la como privada ou algo próximo disso é muito discutível.

Mas a CBF, há anos, faz questão de se apresentar como tal, embora ninguém possa, digamos, comprar suas ações, tampouco seus controladores adquiriram parte da instituição. O presidente é eleito, na prática, pelas federações estaduais, que depois da mudança feita em 2017, passaram a ter tamanho poder que, mesmo reunidos todos os clubes, elas elegerão quem quiserem.

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"As federações estaduais passaram a ter peso três, considerando a representatividade de milhares de clubes ausentes do processo eleitoral. As 27 federações estaduais representam mais de 1.200 clubes e ligas de futebol ativos e quase 7 mil registrados", dizia o comunicado emitido pela CBF na ocasião. Fruto de uma canetada de Marco Polo Del Nero, então presidente da entidade.

Marco Polo Del Nero. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Marco Polo Del Nero. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Antes disso, os 20 clubes da Série A e as 27 federações tinham votos com peso igual, o que já dava superioridade matemática às entidades estaduais. O novo estatuto inseriu os 20 da Série B no colégio eleitoral, mas com peso um, cabendo aos da A peso dois. Como os votos das federações somados chegam a 81 (27 multiplicado por três), elas superam amplamente os 60 nas mãos dos 40 times das duas principais divisões.

TABELA: Veja a sequência da Copa do Mundo Feminina

Na época, os clubes sequer foram comunicados de que retirariam o poder de seus votos. Na prática, a CBF é um clube fechado que controla o futebol. E movimenta muito dinheiro a partir do que proporcionam as seleções, formadas por jogadores nos quais não precisa investir um centavo. Eles são convocados! Um mecanismo conveniente e discutível estabelecido pela Fifa (Fédération Internationale de Football Association), esta sim acima hierarquicamente da Confederação.

Fifa, que baniu do futebol, para sempre, o ex-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, alegando que ele violou as regras de ética da entidade sobre suborno, oferecendo e aceitando presentes, lealdade, conflito de interesse e regras geral de conduta. Seu antecessor, José Maria Marín, sofreu a mesma pena e está preso nos Estados Unidos desde 2015.

José Maria Marin. Foto:  SIDNEY OLIVEIRA/AG. PARÁ
José Maria Marin. Foto: SIDNEY OLIVEIRA/AG. PARÁ

A justiça americana o considerou culpado de seis dos sete crimes pelos quais foi acusado: organização criminosa (uma vez), fraude bancária (três vezes) e lavagem de dinheiro (duas vezes). Delitos conectados à Libertadores, Copa do Brasil e Copa América, cometidos entre 2012 e 2015, quando Marin presidia a CBF.

Ricardo Teixeira, que esteve no cargo antes dele, e Marco Polo, que o sucedeu também foram denunciados nos Estados Unidos por receberem propina e cometer os mesmos crimes. Como o Brasil não extradita seus cidadãos, ambos seguem livres e sem serem julgados por lá. Já o atual presidente não pertence a algum outro grupo, ou seja, os mesmos seguem controlando a entidade.

Rogério Caboclo foi diretor de Relações Institucionais do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2014, comandada por Teixeira. Adiante, Del Nero assumiu a presidência da CBF e ele virou diretor financeiro, após o Mundial realizado no país. No final de 2016, assumiu a diretoria executiva. Mesmo em meio a tantos escândalos, os antigos detentores do poder não o perderam, com o bastão sendo passado a um dos seus.

“Quero deixar claro minha total independência, dentro dos limites estatutários, para fazer tudo aquilo que eu acredito. Não vou tolerar nenhuma prática duvidosa. Meu mandato terá dois pilares: integridade e eficiência”, disse o atual mandatário cebeefiano, ao assumir a presidência, em abril. Tomara, mas seria ótimo ter pessoas sem qualquer vínculo com o passado da Confederação, algo que na prática é impossível.

Neymar. Photo by FRANCK FIFE / AFP)
Neymar. Photo by FRANCK FIFE / AFP)

Principal jogador da seleção brasileira na atualidade, fora da Copa América devido a uma lesão, Neymar responde a processo na Receita Federal. Ele sofreu cobrança de R$ 69 milhões em impostos e multas, pois teria sonegado tributos quando trocou o Santos pelo Barcelona. Em 2015 foi autuado em R$ 188 milhões porque teria deixado de declarar R$ 63,6 milhões entre 2011 e 2013, omitindo esse montante por meio de suas empresas, como publicou a Gazeta do Povo.

Ao contrário do que Daniel Alves, aos 36 anos, ainda acredita, nenhuma pessoa nascida no Brasil é obrigada a torcer pela seleção sob o risco de não ser patriota. Ou alguém acha que os ex-dirigentes da entidade que controla esse time de futebol eram exemplos de cidadania e respeito à Pátria? E o jogador que não paga todos os tributos, é um bom cidadão?

Não, ele e seus colegas não são nossos representantes compulsórios, mas apenas integrantes de um time de futebol, pelo qual é possível pode torcer sem ser brasileiro e não torcer sem deixar de ser. Afinal, dirigente preso, que não pode sair do Brasil e jogador acusado de sonegação vaia o país, Daniel Alves?

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