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Papo Olímpico
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Pequim-2022

Tem coisas que só a China faz pra você

Por
Marcio Antonio Campos
25/01/2022 21:09 - Atualizado: 04/10/2023 17:01
Os mascotes são simpáticos, mas a censura é brava.
Os mascotes são simpáticos, mas a censura é brava. | Foto: Wu Hong/EFE/EPA

Não é só por causa da Covid que esses Jogos Olímpicos de Inverno serão diferentes do normal. Quem acompanha sites especializados na cobertura olímpica, como o Inside the Games, vem encontrando há dias uma série de notícias que vão do preocupante ao bizarro, embora eu não usasse a palavra “surpreendente” quando se trata de um regime ditatorial que aposta em vigilância, intimidação, violência e até genocídio para se impor.

Que tal, por exemplo, a informação de que o COI foi incapaz de garantir ao governo norte-americano que os uniformes que serão usados por membros do comitê são completamente livres de trabalho forçado na sua confecção? A auditoria do COI encontrou “não conformidades” que “estão sendo corrigidas” quanto a salários, jornadas de trabalho e condições de saúde e segurança do trabalho, embora não tenha identificado indícios de “violações extremas” do Código de Fornecedores do COI. Parte da controvérsia está ligada ao possível uso de algodão proveniente de Xinjiang, a província onde o governo chinês conduz o genocídio e a limpeza étnica da minoria muçulmana dos uigures.

Na linha do bizarro está o aviso da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) para que os atletas exerçam a virtude da temperança quando forem comer pratos chineses à base de carne. Isso porque há registro de carnes contendo níveis baixos do esteroide clembuterol. A agência antidoping alemã foi mais longe e recomendou aos competidores do país que evitem totalmente a carne local, mesmo em locais considerados seguros.

Bem mais preocupante que um surto de doping motivado por carne contaminada, no entanto, é a possibilidade de que as autoridades chinesas estejam vigiando os atletas estrangeiros e queiram puni-los por exercer sua liberdade de expressão de acordo com a versão atualizada da Carta Olímpica. EUA, Alemanha, Países Baixos, Canadá e Grã-Bretanha avisaram atletas e outros membros de suas delegações para que não levem dispositivos móveis pessoais a Pequim, de modo a evitar que eles sejam invadidos por espiões. O Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos sugeriu até que os atletas, técnicos e demais integrantes da equipe levem telefones “substitutos” que possam ser destruídos assim que os Jogos terminarem.

No campo da liberdade de expressão, já estamos vendo até os apelos por autocensura. O ex-esquiador norte-americano Noah Hoffman, falando em um evento da ONG Human Rights Watch, disse temer pelos seus colegas e contar com o seu silêncio, para sua própria segurança. “Espero que eles fiquem quietos porque eles não serão perseguidos apenas pelas autoridades chinesas, mas também podem ser punidos pelo COI”, afirmou. E a possibilidade é real: o vice-diretor-geral do comitê organizador dos Jogos, Yang Shu, afirmou que “qualquer manifestação que esteja alinhada com o espírito olímpico certamente está protegida, e qualquer comportamento ou discurso que seja contrário ao espírito olímpico, especialmente contra as leis e regulamentos da China, estarão sujeitos a algum tipo de punição”. A afirmação gerou críticas de grupos de apoio ao Tibete e da HRW, que lançou uma série de vídeos condenando a censura.

Onde mais você encontraria esse tipo de situação?

Um amigo me mostrou um tuíte do jornalista e narrador
esportivo Sérgio Arenillas sobre as vezes em que países autocráticos receberam
ou quase receberam os Jogos Olímpicos.

Concordo com ele que “a
tolerância e carinho com regimes totalitários merece ser apontada sempre”,
mas ao menos no caso de 2022 não havia muita escolha. Era China ou Cazaquistão.
A melhor candidatura era a de Oslo, mas os noruegueses desistiram no meio
porque não havia apoio governamental ou popular – um problema que regimes como
o chinês certamente não enfrentam. Sobraram apenas Pequim e Almaty para
disputar a preferência do COI.

Onde a coisa degringola, para mim, não é nem com a quantidade de passadores de pano da ditadura chinesa (fora os que não acreditam em cloroquina, mas acreditam nas estatísticas chinesas de Covid) que apareceram para comentar o tuíte de Arenillas, mas quando o próprio jornalista, no meio da conversa, apela para a “equivalência moral” ao colocar os EUA no mesmo balaio da China, dizendo não achar que os EUA sejam um país democrático:

“Equivalência moral” é quando você perde completamente o senso de nuance e iguala ou aproxima comportamentos ou atitudes que não têm como ser igualadas ou aproximadas. A intelectualidade de esquerda norte-americana usou à exaustão esse recurso para deslegitimar críticas ao totalitarismo soviético durante a Guerra Fria.

Não creio que Arenillas esteja dizendo que os EUA são tão ditatoriais quanto a China (se estiver, a coisa é ainda pior do que eu pensava), mas não dá nem para colocar os dois do mesmo lado de uma suposta linha que divida os Estados democráticos dos ditatoriais, ainda que os EUA ficassem mais perto da linha. Estamos falando de um país que tem liberdades democráticas, poderes independentes, freios e contrapesos, Estado de Direito, federalismo forte, alternância de poder; um país onde várias das notícias que eu citei acima seriam não apenas improváveis, mas totalmente impensáveis. Enfim, você pode discordar da política externa americana, e é verdade que eles já bancaram uma boa dose de regimes autoritários mundo afora, já usaram a força de forma imoral, mas dizer que os EUA não são uma democracia é demais pra minha cabeça.

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