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Da dívida de R$ 1,2 bilhão ao acordo: os bastidores da maior vitória da história do Athletico

Luiz Fernando Pereira - Advogado do Athletico

O tempo pode até ser o senhor da razão, como gosta de afirmar Mario Celso Petraglia, mas não foi exclusivamente a ação dele que transformou, entre 2013 e 2023, a cor dos cabelos do advogado Luiz Fernando Pereira.

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Ao longo de praticamente uma década de costuras políticas, preocupações e incertezas, o castanho escuro deu lugar ao grisalho no penteado do representante legal do Athletico na maior vitória extracampo da história rubro-negra.

Em julho de 2023, nove anos depois de a capital do estado receber quatro jogos da Copa do Mundo de 2014, prefeitura de Curitiba, governo do estado e clube finalmente assinaram o acordo que resolveria a dívida da reforma da Arena da Baixada – agora rebatizada como Ligga Arena.

Como qualquer novela que se preze, o desfecho do caso ainda levou mais três meses até o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) reformar a decisão de primeira instância para o acordo ser homologado, sem possibilidade de recurso.

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“É a causa que mais me marca do ponto de vista pessoal e também perante à opinião pública”, aponta Pereira, de 53 anos. “Demorou quase dez anos, sempre numa tensão… leiloa não leiloa, penhora, não penhora”.

Laços com Petraglia

Em maio de 2017, talvez em um dos momentos mais tensos de todo o processo, Pereira concedeu entrevista à Gazeta do Povo, na qual expôs o risco de o estádio ser leiloado por causa da dívida com a Fomento Paraná, autarquia estadual que realizou os empréstimos para a reforma da Arena.

Era a realidade dos fatos, mas a declaração fugiu roteiro apreciado pelo presidente Petraglia, avesso às entrevistas. Seria o estopim para conhecer o lado, digamos, mais bruto do cartola?

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“Até quando acho que errei, o Mario nunca foi grosseiro comigo, em nenhuma parte de nenhum diálogo. Nunca subiu a voz, sempre me respeitou. As pessoas reclamam muito que ele dá pancada, mas comigo, em mais de uma década de relação frequente, nunca”.

A relação, aliás, surgiu de forma inusitada. Em 2008, Pereira atuou contra os interesses de Petraglia na eleição atleticana, conseguindo uma liminar para que o candidato de oposição, José Henrique de Faria, participasse do pleito contra a chapa do então aliado Marcos Malucelli.

Após a ruptura entre os caciques rubro-negros, Pereira foi indicado para representar Petraglia em ação contra Malucelli – esse assunto passou para o âmbito interno do clube após reveses na Justiça e culminou na expulsão de Malucelli em 2017. Quatro anos mais tarde, ele foi anistiado.

Em 2012, já com o atual presidente de volta ao comando do Furacão, o escritório Vernalha Pereira passou a prestar serviços em diversas causas, como na estruturação do projeto da Funcap, brigas de direitos de televisão, imbróglio do teto retrátil e também no processo contra a Globo.

“Virei amigo, frequentei a casa dele, ele foi à minha casa”, conta Pereira.

Fator político

Até o acordo se materializar, a política permeou o todo o processo envolvendo a questão da Arena. Era a única saída possível para evitar uma decisão que poderia passar de três décadas na Justiça.

Nesse meio tempo, por exemplo, o estádio correu risco de leilão, pois o processo do Acordo Tripartite era um, enquanto a cobrança da Fomento acontecia em outra ação. A compensação, em caso de vitória da tese do Athletico, viria em precatórios, muitos anos depois.

“Passado o desgaste da Copa, sobrou o estádio e a torcida. Qual governador gostaria de ser responsável por levar a Arena do Athletico a leilão?”, questiona Pereira.

“Havia uma tensão silenciosa. A Fomento poderia ter andado mais rápido com processo. Em determinado momento, poderia pedir o leilão, mas quando fizemos o movimento de pedir a liminar no STJ [Superior Tribunal de Justiça] parou tudo… Foi um xadrez, com lances cá e lá”, emenda.

Primeiro, em abril de 2020, o Athletico pediu a produção antecipada de provas, com perícia realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A avaliação foi de que o orçamento inicial da obra não era realista, corroborando com o argumento atleticano.

Depois, em setembro de 2022, o clube conseguiu liminar no STJ para suspender execuções da Fomento. A estratégia foi chave para forçar que as partes sentassem à mesa de negociação.

“Em determinados momentos a questão ficou muito tensa. Mas a liminar acelerou. Estado e município perceberam que se viesse uma decisão favorável do STJ, a conta viraria zero e a Fomento ficaria devendo R$ 200 milhões em honorários. Seria uma uma vergonha”.

Opinião pública e os políticos

Ao mesmo tempo, o Athletico já realizava pesquisas para medir a febre da opinião pública sobre o tema. Para Pereira, o acordo só seria tratado pelo poder público como possibilidade real quando os políticos entendessem que a solução amigável era o melhor caminho.

“O Mario nunca deu bola para a opinião pública. Frases polêmicas, impopulares, coisa que o marketing político não recomenda. Aí eu exercia a divergência e acho que tinha razão: os políticos apenas fariam se isso fosse bom politicamente”, cita.

Quando sentiram que a opinião da população virou a favor do clube, o caminho para o acordo foi pavimentado com o governador Ratinho Júnior e o prefeito Rafael Greca. Nesse ponto, também já havia parecer unânime do Conselho Superior do Ministério Público e o acordo para o pagamentos das desapropriações.

E também não faltou auxílio externo de atleticanos. “Nunca tive uma causa em que tanta gente se dispôs a ajudar. Precisava de interlocutor com o governo, Ademir e Renato Adur ajudaram a abrir portas. O jurista Marçal Justen Filho deu parecer brilhante e não cobrou nada. O acordo é uma obra de muitas e muitas mãos, sem dúvida nenhuma”.

Relação de confiança

O time do coração de Pereira é o Paraná Clube. No entanto, é mais fácil encontrá-lo em seu camarote na Baixada, ao lado das filhas atleticanas, do que na Vila Capanema. À paisana, claro, discrição que não reduz seu envolvimento com o clube para o qual presta serviço há mais de uma década.

Filho de político – primogênito do ex-governador Mario Pereira – e com DNA futebolístico na família – primo-irmão dos ex-jogadores Caio Junior e Preto Casagrande –, o advogado viu os assuntos se misturarem enquanto ganhou cabelos brancos.

E mesmo com uma visão ideológica oposta à de Petraglia, mantém uma relação de afeto e apreço com o dirigente que comanda o Rubro-Negro.

“Sou fã dele. O Brasil não teve dirigente esportivo que fez a transformação que ele fez. E o potencial do Athletico é de ter a melhor SAF do país”, crava.

Luiz Fernando Pereira não se considera um esquerdista clássico, embora seja tachado assim por muita gente. Ele advogou para Lula, por exemplo, e visitou o presidente na cela da Polícia Federal na condição de representante legal. Essa situação, contudo, nunca foi questionada pelo mandatário atleticano. Em nenhum momento.

“Nessa divisão que tem o país, tenho antipatia pelo governo Bolsonaro e ele [Petraglia] virou muito bolsonarista”, brinca.

Acima de tudo, a relação entre ambos é de extrema confiança. Durante parte importante do processo da Arena, Petraglia ficou incomunicável pois estava hospitalizado em São Paulo. Com o dirigente internado em estado delicado, coube ao advogado seguir tomando as decisões para a resolução do caso.

Ele comunicou a família de Petraglia sobre seus planos e, pouco depois, recebeu uma mensagem do celular do dirigente: “vai em frente”.

“Fui em frente. No final de tudo, ele já estava conversando novamente e validou o que fizemos, mas já tinha avançado muito. O Athletico esperava um valor maior, mas no fim o MP fez os cálculos e topamos. Na essência, a dívida com a Fomento saiu de R$ 1,2 bilhão, sem honorários, para R$ 550 milhões. E no Tripartite, acrescentamos a divisão com prefeitura e estado, o que reduziu a participação do Athletico para R$ 190 milhões”, explica o advogado, que como é habitual, ficou com uma parte dos honorários.

“Certamente não é o maior valor que já recebi porque o Mario é bom negociador até comigo”.

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