Os feitos do presente e as glórias do passado
Murilo Dziecinny

Uma comorbidade centenária; um amor incondicional

Por
Murilo Dziecinny
25/03/2024 15:35 - Atualizado: 25/03/2024 15:32

Um clube de futebol é um ser vivo: não há atleticano sem o Athletico; da mesma maneira que não há Athletico sem o atleticano – uma relação simbiótica. 

Vivemos o amor ao clube, incondicionalmente. Fala-se por aí que o amor mais altruísta e generoso é aquele que é incondicional. Mas isso é muito perigoso, pois pode representar, na prática, um ato de desamor ao próprio “eu”.

Talvez o mais saudável a todos nós seja justamente ter a capacidade de poder limitar e não aceitar todas as condições. Simplesmente não esperar coisa alguma em troca pode não ser a melhor ideia. Pois bem: não queremos coisa alguma em troca, mesmo sabendo que diariamente o Athletico nos retribui com a felicidade de nos sentirmos pertencentes a algo maior. 

É próprio de um clube cuja essência é a paixão em estado puro. Existe um sentimento tão grande, mas tão grande pelo Rubro-Negro que a gente precisa viver (com) esta comorbidade o tempo todo, afinal, somos reféns e escravos da nossa paixão.

Cem anos de Furacão. Tanto para lembrar... Tantas coisas boas para lembrar. Mas não me recordem as dificuldades – hoje –, pois eu as ultrapassei com orgulho. Não me relembrem derrotas, porque elas ficaram pelo caminho, certezas da necessidade do nosso grito, para empolgar aqueles que, um dia, perdendo de quatro a zero, empataram em dez minutos.

Dez mágicos minutos. Assim como nossa mágica história. A vida é feita de escolhas: olho para trás e vejo que acertei em todas. E acertei porque em todas fui movido pelo coração, este artilheiro coração rubro-negro.

Volto no tempo, numa época que muitos de vocês viveram. Muitos entravam livremente no Joaquim Américo e ficavam encostados nas arquibancadas de tijolos assistindo aos treinos, vendo os ídolos e domingo voltavam para vê-los defender a camisa rubro-negra, sendo o empenho a única exigência. 

E a história inicialmente de dificuldades, raça e resistência – a base de tudo – ganha suporte organizacional, salta para a Baixada de Copa do Mundo, ao centro de treinamento deslumbrante e os títulos chegam e com eles os milhares de torcedores em todos os setores da sociedade. O Athletico é mundo que pulsa, é furacão que gira, é time que luta, é time de guerra, é time que faz por merecer vitórias.

Muitos de nós começaram a amar o Athletico na época em que não ganhávamos nada. Com o tempo e o apoio de cada um de nós, crescemos. Hoje, estamos entre os maiores do Brasil. Portanto, honremos nossas cores. O vermelho da paixão, do nosso sangue. O preto de nossa raça, cujas coxas sempre foram mais do que apenas brancas. Mais do que imortais, mais do que um bando de loucos, mais do que uma nação, somos o que acreditamos que seremos.

Você, torcedor e torcedora, é herdeiro e herdeira de um João que gastou sua voz para vencer um Atletiba; de uma Maria que costurou uma bandeira para tremular ao vento; de um grupo de fanáticos que manteve o Atlético vivo, entregou a você história de amor incondicional, verdadeiro, vencedor. Afinal, é da natureza rubro-negra tormentosa tornar fortes os espíritos que já foram anêmicos.

Então, torcedor, desfrutemos imensamente a possibilidade de sermos autores da nossa própria obra; de sermos protagonistas da nossa história; de marcarmos época e podermos compartilhar – mais uma vez – situações épicas. Que em meio a isso tudo, nunca nos esqueçamos das glórias do passado e estejamos sempre conscientes dos feitos do presente.

E de “feitos do presente” entendemos. O Athletico é excepcional caso de sucesso, uma impossibilidade teórica que se tornou realidade. O bom gerenciamento veio. Nas últimas três décadas o Furacão faz jus ao seu apelido (hoje identidade) e assume uma posição de protagonismo como sendo a maior transformação registrada no futebol brasileiro.

Com o passar dos anos, o clube ficou conhecido pelo sucesso patrimonial e mercadológico. Estruturando seu departamento de futebol com o que há de mais moderno, criando jogadores em casa e promovendo contratações sem risco à saúde financeira, os resultados começaram a aparecer. E nós, torcedores, apoiamos cada passo. 

Mas nada maior para representar este gigantismo que a torcida. Uma torcida que, afinal, tantas vezes precisou superar obstáculos. E uma torcida que, por vezes, professou seu fanatismo ao cantar forte para abafar o grito de campeão dos visitantes, quando a noite dentro da Baixada ainda era sua. Se não para vencer, foi para reforçar sua unidade.

É momento da mais completa união de todos os rubro-negros; de crédito ilimitado a quem trabalha pelo e no Athletico; de fé infinita no esforço dos jogadores; de crença absoluta na capacidade de gerenciamento da diretoria. Fora deste círculo virtuoso não há salvação. As análises das partidas passam a ser irrelevantes. O momento é de êxtase. Nada importa, só o Athletico.

Dois mil e vinte e quatro. O ano mais importante da história rubro-negra. Não pelo calendário; não pelas competições em disputa; não pelas decisões que se aproximam. Mas a importância reside no simples motivo de este ser o ano no qual estamos – o único que podemos realmente viver, já que o passado já foi e o futuro ainda não existe.

Não é o crítico que importa, nem aquele que mostra como o ser forte tropeça, ou onde o realizador das proezas poderia ter feito melhor. Todo o crédito pertence ao elemento que está de fato na arena; cuja face está arruinada pela poeira, pelo suor e pelo sangue; aquele que luta com valentia; aquele que erra e tenta de novo e de novo; aquele que conhece o grande entusiasmo, a grande devoção e se consome em uma causa justa; aquele que ao menos conhece, ao fim, o triunfo de sua realização; e aquele que – na pior das hipóteses –se falhar ao menos falhará agindo excepcionalmente, de modo que seu lugar não seja, jamais, junto àquelas almas frias e tímidas que não conhecem nem vitória nem derrota.

Nós não driblamos, não ultrapassamos, não chutamos, mas quando as coisas não funcionam, nós fazemos a diferença. Das arquibancadas da Baixada flui um vento vencedor impiedoso, um grito que embala e agride, um canto que carrega e esmaga, submissos ao toque do tambor que cadencia a batalha e destrói o inimigo com seu fanático rufar. Nosso papel é acreditar, fechar os olhos para a entropia estabelecida e se agarrar com a possibilidade de vitória – sempre possível no futebol.

E nos faz bem estar junto do time e do clube, porque ao lado das nossas famílias, dos nossos irmãos em armas, em canto dos nossos corações, mora o Athletico. Ele é importante para nós, faz parte das nossas vidas, sofremos quando ele repete derrotas, vibramos quando acumula vitórias. É nossa escolha, um imenso matrimônio coletivo com uma simples história que nos comove e acolhe.

Nestes últimos anos, falei por várias vezes que "hoje é o dia mais feliz da minha vida dentro do futebol". Todas as vezes comemorei deixando tudo de mim. Como se aquele fosse o título mais importante que vivi – mesmo sabendo que maiores viriam e seriam possíveis. Eu gritei o grito mais alto. Eu sofri o sofrimento mais intenso. Eu rezei a reza mais torturante. Eu vivi e comemorei como se não houvesse o amanhã... Sorte a nossa que havia. E, junto do amanhã, a possibilidade de viver mais e mais momentos.

O Athletico é cura, mas também loucura e uma licença poética. E não tem jeito... Talvez este seja o único amor, de fato, incondicional de nossas vidas. Só a sua existência já é suficiente para nos fazer feliz. E se em algum momento todo este amor der certo, for correspondido, a vida valeu a pena. 

Obrigado por tudo, meu Furacão. É por você, mas no final é também por mim. Recaio, então, no clichê (extremamente necessário): o aniversário é seu, mas o presente, sempre, é nosso, Athletico, nossa maior e melhor comorbidade.

Murilo Dziecinny é torcedor atleticano, médico psiquiatra, e não consegue viver sem a comorbidade que chama de Athletico Paranaense.

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