Esporte e política

Vem aí uma nova delegação, o “BOC” #sóquenão

Krystsina Tsimanouskaya (à esquerda) durante eliminatória dos 100 metros em Tóquio: atleta foi impedida de participar dos 200 metros após integrantes da delegação tentarem tirá-la à força do Japão.

Lembram de Uday Hussein, o filho de Saddam que era também presidente do Comitê Olímpico Iraquiano e da Associação de Futebol do Iraque, e que era famoso por agredir e torturar atletas que tinham desempenho ruim em competições internacionais? Pois ele parece ter admiradores na Belarus. O COI abriu uma investigação para apurar o bizarro caso da velocista Krystsina Tsimanouskaya, que escapou por pouco de ser arrastada de volta para Minsk contra a vontade; além disso, expulsou de Tóquio dois membros da delegação, incluindo o técnico da equipe de atletismo. O COI quer saber até onde o caso tem o dedo do presidente do comitê olímpico da Belarus, Viktor Lukashenko, filho do ditador Alexander Lukashenko – aquele mesmo que mandou desviarem um avião comercial de sua rota para conseguir prender um opositor que estava a bordo.

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Tsimanouskaya, que disputou os 100 metros rasos, mas não passou para as semifinais, criticou seus técnicos pelas mídias sociais por ter sido incluída na equipe do revezamento 4×400 após duas outras corredoras terem sido impedidas de competir por falta de testes antidoping. Depois disso, segundo o seu relato, o chefe da equipe de atletismo lhe disse que havia ordens superiores para retirá-la da Vila Olímpica e levá-la ao aeroporto, para pegar um voo de volta para Minsk. Oficialmente, o comitê olímpico nacional alegou que Tsimanouskaya tinha abandonado os Jogos por decisão médica, após avaliação de seu estado mental e emocional. Os cartolas da Belarus só não esperavam que a atleta escapasse no aeroporto e procurasse policiais japoneses, dizendo estar sendo embarcada em um voo contra a sua vontade – em entrevista à Reuters, Tsimanouskaya disse ter tomado a decisão de fugir após conversar ao telefone com sua avó, a caminho do aeroporto, e ter ouvido dela que não seria seguro retornar à Belarus. Tchecos e poloneses ofereceram ajuda à velocista, que aceitou um visto humanitário polonês e voou para Varsóvia na quarta-feira. Seu marido fugiu da Belarus assim que o episódio estourou, e o casal se reencontrou na capital polonesa.

Ainda que o episódio envolvendo Tsimanouskaya jamais tivesse acontecido, a repressão contra atletas em Belarus já seria mais que suficiente para garantir a pena mais severa, de suspensão do país das competições internacionais

Na mesma entrevista, Tsimanouskaya disse jamais ter se envolvido com política, mas outros atletas do país que criticaram a ditadura de Lukashenko e participaram de protestos contra o governo chegaram até a ser presos. O COI já aplicou algumas punições ao comitê olímpico da Belarus – a entidade parou de receber repasses do COI; nem o ditador Lukashenko nem seu filho Viktor puderam ir a Tóquio; e a eleição de Viktor como presidente do órgão esportivo, no início deste ano (sucedendo o pai no posto, aliás), não foi reconhecida pelo COI. Mas parece que não foi suficiente, e aumentaram as pressões para que a Belarus seja finalmente suspensa do movimento olímpico.

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Por muito menos comitês olímpicos nacionais já foram suspensos, pois o COI não tolera interferências políticas nas entidades que administram o esporte em nível nacional. Até o Comitê Olímpico Brasileiro já levou um gancho durante as investigações da compra de votos para que o Rio de Janeiro se tornasse a sede dos Jogos de 2016. Convenhamos que perseguir atletas e botá-los na cadeia por suas convicções políticas é bem mais grave que isso. Ainda que o episódio envolvendo Tsimanouskaya jamais tivesse acontecido, a repressão em Belarus já seria mais que suficiente para garantir a pena mais severa.

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E, se ela vier, o que vai acontecer? Veremos nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, ano que vem, uma nova delegação, o “BOC”, significando “Comitê Olímpico da Belarus”, com uniformes verdes, vermelhos e brancos, bandeirinha própria e quem sabe uma melodia de Irving Berlin para seus atletas campeões? Pode apostar que não. Afinal, Lukashenko é um pária internacional e a Belarus não é uma potência olímpica como o seu vizinho ao leste, que mesmo montando um megaesquema estatal de doping conseguiu uma série de privilégios, incluindo o envio de atletas para modalidades coletivas, o que lhes permitiu fazer o 20 a 12 tomar temporariamente o lugar do 7 a 1 como a grande assombração esportiva brasileira. O mais provável é que, havendo suspensão, os bielorussos participem como Atletas Olímpicos Independentes, com uniforme de uma cor neutra qualquer, com a bandeira e o hino olímpico caso cheguem ao pódio.

E, se isso ocorrer, desta vez o COI estará totalmente certo – errado esteve quando permitiu aquela piada em azul, vermelho e branco em Tóquio. E eu estarei aqui, pronto para dizer: “enfim, a hipocrisia”.

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