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Patinação artística

A farsa continua, com a bênção do CAS

Por
Marcio Antonio Campos
14/02/2022 20:37 - Atualizado: 04/10/2023 16:58
Kamila Valieva conversa com sua treinadora, Eteri Tutberidze, durante sessão de treinos em 14 de fevereiro.
Kamila Valieva conversa com sua treinadora, Eteri Tutberidze, durante sessão de treinos em 14 de fevereiro. | Foto: How Hwee Young/EFE/EPA

A decisão do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês) sobre Kamila Valieva é uma versão piorada do “deixar como está para ver como fica”. Para resumir bem resumido, o CAS manteve a decisão da Rusada, a agência antidoping russa, que “suspendeu a suspensão” provisória que Valieva tinha recebido em 8 de fevereiro, quando saiu o resultado positivo de um exame antidoping que ela fez em dezembro, após o campeonato russo de patinação. Isso significa que Valieva estará no gelo na manhã desta terça-feira (horário do Brasil) para o programa curto da competição individual feminina de patinação artística.

Mas vejam só a confusão: se Valieva ficar entre as três primeiras (e quem apostaria contra ela?), não deve haver cerimônia de premiação, como ainda não houve para a competição por equipes, vencida pelo Comitê Olímpico Russo – o CAS ainda deixou claro que, até o momento, não foi chamado a se pronunciar sobre o caso da prova já concluída. As medalhas só serão entregues depois que houver uma decisão definitiva sobre o caso de Valieva – segundo as agências noticiosas, isso foi decisão do Comitê Olímpico Internacional, não do CAS; de fato, no texto oficial sobre a decisão não há nenhuma menção a adiamento de entrega de medalhas.

Se, de alguma forma, as entidades que governam o esporte mantiverem o nome dela entre os medalhistas, estaremos diante de um desastre ético como poucos na história da patinação artística

Basicamente, o CAS alegou que Valieva é uma “pessoa protegida” por causa de sua idade, e que por isso ela tem garantias que competidores mais velhos não teriam, a começar pelo fato de não haver nenhuma regra clara sobre suspensão de atletas tão jovens nos documentos da Rusada e no Código Mundial Antidoping. Assim, aconteceu o que eu havia previsto na coluna anterior: em nome da tal justiça (“fairness”), deixaram a farsa continuar, com uma atleta que comprovadamente caiu no antidoping competindo no maior evento esportivo do mundo mesmo depois que a trapaça foi revelada.

Diz o CAS que “impedir a atleta de competir nos Jogos
Olímpicos lhe causaria um dano irreparável nessas circunstâncias”. Mas vamos lá:
não seria igualmente um “dano irreparável” se Valieva competisse e vencesse, só
para ver o ouro lhe ser retirado mais tarde, quando fosse confirmada a
suspensão? E as outras atletas, no caso de uma vitória de Valieva? Ser privada
de receber o ouro (e o bronze, pensando naquela que terminar em quarto lugar)
ali, no momento certo, diante dos olhos do mundo todo grudados na televisão,
para ganhar a medalha e ouvir seu hino em alguma cerimônia asséptica realizada
sei lá onde, não é um dano também?

Claro, estou aqui considerando que a suspensão virá, mais cedo ou mais tarde. Afinal, Valieva testou positivo para uma substância proibida; a contraprova deu o mesmo resultado. Isso é fato, não há como negar. E as regras da ISU que eu citei na sexta-feira afirmam que a anulação de resultados inclui também o período entre a coleta da amostra e o início da suspensão propriamente dita. Não há “fairness” no mundo que permita a Valieva manter medalhas olímpicas sem destruir o “fairness” em relação a todo o resto do mundo da patinação. Se, de alguma forma, as entidades que governam o esporte mantiverem o nome dela entre os medalhistas, estaremos diante de um desastre ético como poucos na história da patinação artística (comparável, talvez, ao escândalo dos jurados de Salt Lake City).

É verdade que existem muitas perguntas importantes sem
resposta. Uma delas diz respeito ao longo intervalo entre a coleta da amostra e
o resultado do exame, mencionado pelo CAS na decisão. A Agência Mundial
Antidoping (Wada) culpou a Rusada, que não teria pedido prioridade ao laboratório
sueco responsável pela análise. Os russos disseram que sim, haviam feito a
solicitação, que os suecos tinham prometido entregar o resultado rapidamente,
mas também afirmaram que parte da equipe do laboratório acabou tendo de ficar
em isolamento graças à nova variante do coronavírus e atrasou o trabalho. O
laboratório propriamente dito afirmou que não comentaria o caso enquanto ele
ainda está em análise.

E vamos deixar clara uma coisa aqui: Valieva tem de ser punida, perder a medalha que já ganhou e a que provavelmente irá ganhar, mas responsabilidade muito maior é a de quem organizou tudo isso. Convenhamos, não é como se uma menina de 15 anos talentosíssima decidisse de repente, em plena consciência, que precisa se dopar para ser uma campeã. Alguém montou isso para ela, com ou sem sua anuência. E esses – treinadora, equipe médica, família, quem for – precisam ser punidos muito mais severamente que a patinadora. Essa tecla tem sido batida à exaustão por grandes nomes da patinação, como a bicampeã olímpica Katarina Witt (embora eu discorde dela quando diz que Valieva não deveria ser responsabilizada) e Adam Rippon, bronze em PyeongChang-2018, que ainda criticou as punições de brincadeirinha aplicadas até agora à Rússia:

Uma estrela que deveria estar suspensa e não está,
medalhistas que ficarão sem medalha por algum tempo... sei não, acho que quem
deve estar rindo à toa com isso tudo é Xi Jinping, já que Pequim-2022 pode
entrar para a história não mais como os “Jogos do genocídio”, mas os “Jogos do
doping da Valieva”.

Valeu, Nicole!

E Nicole Silveira conseguiu o melhor resultado da história
do Brasil em esportes de gelo com o 13.º lugar no skeleton. Ela havia caído
para 15.º ao fim da terceira descida; na rodada final, a brasileira ainda
perdeu uma posição, mas outras competidoras que estavam à sua frente erraram
muito e Nicole as superou na soma dos quatro tempos.

Como eu disse, o top 15 era um final esperado para ela.
Agora é pensar no próximo ciclo olímpico e, se Nicole continuar evoluindo no
mesmo ritmo dos últimos três anos, dá para sonhar com resultados ainda melhores
em Milão-Cortina-2026.

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