No dia 7 de julho de 2015, a diretoria do Paraná Clube assistia in loco à derrota para o Oeste, em Osasco, que deixava o Tricolor à beira da zona de rebaixamento da Série B.

Após o revés, o grupo gestor liderado pelo empresário Carlos Werner, que também contava com o futuro presidente Leonardo Oliveira como vice-presidente de finanças e Durval Lara, o Vavá, na superintendência de futebol, decidiu pela demissão do já veterano técnico Nedo Xavier.

Naquele momento, havia um nome de consenso para assumir o Tricolor. O alvo era Claudinei Oliveira, que havia acabado de deixar o Vitória. Mas sem acordo entre as partes, o cenário se abriu para a chegada de um jovem e promissor técnico, que ainda não tinha experiência na Segunda Divisão.

Uma aposta chamada Fernando Diniz.

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Diniz em início de trabalho no Paraná. Foto: Arquivo/UmDois

“Saímos em busca de Claudinei Oliveira e voltamos com Fernando Diniz”, relembra gestor

O habilidoso ex-meia, que havia defendido o Tricolor como atleta no final da década de 1990, seria apresentado três dias depois, em 10 de julho, na Vila Capanema.

“Semanas antes da derrota para o Oeste, estivemos em Osasco para um jogo entre o Audax e o XV de Piracicaba. Estávamos buscando atacantes para o Paraná disputar a Série B. Foi ali que o Vavá nos apresentou ao Diniz”, relembra Werner.

“Era um técnico dedicado, muito trabalhador, inteligente, mas sem histórico na Série B. Quando não chegamos a um acordo com o Claudinei Oliveira, convidamos o professor Diniz”, detalha.

Até então, Fernando Diniz havia trabalhado apenas em times paulistas: Votoraty, Paulista, Botafogo-SP, Atlético Sorocaba, Audax, e Guaratinguetá, com alguns trabalhos de destaque. Sua ideia de jogo, na época pouco ortodoxa dentro do cenário nacional, já começava a chamar a atenção.

No entanto, a diretoria paranista acreditava em um início mais pragmático na Vila Capanema. “Sabíamos de seu estilo diferente de pensar o futebol, mas não acreditamos que ele de fato tentaria implantar em um time de Série B”, admite o ex-gestor.

O Paraná imediatamente ganha a cara de Fernando Diniz

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Marcos, ex-goleiro do Tricolor. Foto: Arquivo/UmDois

“O Paraná me escolheu, mas eu também escolhi o Paraná”, argumentou Fernando Diniz, ao ser apresentado na sala de imprensa da Vila Capanema.

O namoro, aliás, não era novo. O treinador revelou já ter recusado dois convites anteriores do clube. “Minha carreira como técnico não teve muitos saltos. Foi passo a passo, até pela maneira diferente que eu gosto de fazer o time jogar. O passo mais significativo, com certeza, foi vir para o Paraná”, garantiu.

No elenco paranista, Diniz reencontrou o já veterano goleiro Marcos, ídolo paranista que fez carreira no futebol português. A dupla compartilhou o vestiário no próprio Tricolor, no fim dos anos 1990.

“Quando o Diniz chega ao Paraná como técnico, é uma coisa totalmente diferente”, admite Marcos. “Eu, pelo fato de ter jogado na Europa, já tinha certa experiência em relação a jogar com os pés. Mas nada comparado o que ele queria”, explica.

Diniz imediatamente implantou no Tricolor o modelo de jogo que marcaria a sua carreira: saída de bola a partir do goleiro, trocas rápidas de passes, construindo o jogo da defesa, sem dar chutões – e muitas vezes tomando sustos.

O próprio Marcos, aliás, tinha consciência de que perderia espaço no time após a contratação de Felipe Alves, arqueiro especialista em jogo com os pés e espécie de fiel escudeiro do treinador.

“O Felipe Alves é um goleiro-linha, com os pés ele é uma coisa absurda. Eu trabalhando com ele, vendo o que o Diniz queria, percebi que realmente era necessário”, reflete Marcão.

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Felipe Alves foi o primeiro pedido de Diniz no Tricolor. Foto: Arquivo/UmDois

Adversário ironizou Paraná de Diniz, mas levou a pior: “Estilo Europeu”

Os adversários também comentavam o novo e surpreendente estilo do Paraná. Ex-Corinthians e Athletico, o ex-meia Edno, que na época defendia o ABC, chegou a ironizar o jogo praticado.

“O treinador deles quer jogar no estilo europeu e acaba fazendo umas coisas que a gente nunca viu no futebol. A gente não tem interesse na posse de bola, nosso interesse é ganhar. Um a zero é goleada para a gente”, cutucou.

A resposta do Tricolor, no entanto, seria avassaladora. O time voltou de Natal com uma goleada por 4 a 1 e lampejos de um estilo que começava a encantar. A manchete da Gazeta do Povo da época corroborava a ideia: “Tiki-taka funciona”, noticiou o diário.

“A primeira impressão foi de susto”, admite ex-zagueiro do Paraná

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Luiz Felipe despontou no Paraná sob comando de Diniz. Foto: Arquivo/UmDois

Em sua passagem pela Vila Capanema, Diniz trabalhou com um elenco jovem e sem grandes nomes.

O investimento em jogadores era tímido, com opções, obviamente, limitadas. Diante deste cenário, o comandante precisou mostrar uma qualidade que hoje é uma de suas marcas registradas: desenvolver e melhorar os atletas que tem em mãos.

Um dos beneficiados foi o zagueiro Luiz Felipe, na época um jovem de 21 anos em busca de espaço no cenário nacional.

“Pelo estilo de jogo e a forma como ele trabalha, a primeira impressão é de susto”, aponta o defensor, que defendeu Santos e Goiás e atualmente está no Atlético-GO.

“Eu estava iniciando no mundo do futebol. A forma como ele nos passava o estilo de jogo foi um pouco estranha para nós, de imediato. Mas, depois do primeiro impacto, as coisas foram tranquilas”, explica.

Tranquilas, mas intensas ao extremo. O trabalho de Fernando Diniz era rígido, com muita cobrança. Tudo precisava acontecer da maneira como ele imaginava, sem desvios, visando a evolução coletiva e individual.

“Era um cara que parava muito os treinos. Enquanto não fizéssemos o que ele queria, ele não descansava. Fazia até o time encaixar. Quando ele via que o atleta podia render mais, ele cobrava muito: ‘Eu não posso passar pela vida de um atleta e não melhorar ele’, dizia”.

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Diniz puxa a camisa de Fernando Viana: treinador cobrava de forma enérgica. Foto: Arquivo/UmDois

Fernando Diniz durou menos de três meses no Paraná

Fernando Diniz permaneceu no Paraná por apenas 17 jogos, ao longo de 82 dias. Depois de um início positivo, sofreu com a queda de rendimento da equipe, se meteu em algumas polêmicas, e foi demitido com 47% de aproveitamento. No fim das contas, a deterioração da relação entre técnico e cartolas foi determinante para a saída.

“Minha forma de cobrar impacta no início, mas é sempre a favor do jogador. Quando saio e monto times, muitos querem vir comigo, pois sabem que a cobrança é para benefício deles”, argumentou Diniz na época.

O ex-goleiro Marcos e o zagueiro Luiz Felipe concordam. “Até por termos uma amizade fora de campo e por eu ser o capitão, o Diniz me pediu ajuda, explicando a forma dele de trabalhar, uma forma bastante forte de cobrar os atletas. O grupo abraçou, entendeu, todo mundo se dedicou”, relembra Marcos.

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Fernando Diniz desabafou para a imprensa após demissão. Foto: Arquivo/UmDois

“Eu acho que vai muito de quem recebe essa cobrança. De repente, para mim, não impacta tanto como para outros. No mundo do futebol, você vive à flor da pele. Tem emoção, tensão, cansaço, você fica estressado. Às vezes, uma fala que para você é aceitável, para outro é a gota d’água”, contemporiza Luiz Felipe.

“Mas fora do campo, ele era totalmente diferente, menos rígido, vinha trocar ideia, conversar, principalmente com os mais novos”, completa o zagueiro.

“Fora do campo, das quatro linhas, o Diniz é um gentleman”, resume Marcos.

Diniz negou boatos de grupo rachado e acusou diretoria do Paraná de traição

No dia seguinte à demissão, Diniz convocou coletiva de imprensa em um hotel de Curitiba e afirmou ter se sentido traído pela diretoria.

“Não foi em comum acordo. Eu fui demitido. Jamais esperava. A decepção é com a diretoria como um todo. Estou profundamente magoado”, desabafou.

Na ocasião, o técnico teve longa conversa com os então setoristas do clube, na qual explicou a relação que tentava manter com os atletas. “Às vezes, por trás de um xingamento, tem uma dose de afeto e respeito, que é o que o jogador precisa”, definiu o técnico, que negou um racha no grupo.

No ano seguinte, em 2016, Diniz faria história ao conduzir o modesto Audax ao vice-campeonato do Paulistão, após eliminar os gigantes Corinthians e São Paulo na caminhada.

Time-base do Paraná de Diniz
Time-base do Paraná de Fernando Diniz

“Passagem pelo Paraná foi melhor para Diniz do que para o clube”

De acordo com o jornalista Robson De Lazzari, da Rádio Transamérica, setorista do Paraná durante a passagem de Fernando Diniz, o técnico colheu frutos do trabalho na Vila Capanema, apesar da demissão conturbada.

“Olhando dez anos depois, nessa perspectiva, foi bem melhor para a carreira do Diniz do que para a trajetória do Paraná”, acredita.

“Para o clube, foi mais um técnico que passou. Teve até mais resultados positivos do que negativos, mas saiu como tantos outros. Mas para o Diniz, foi o primeiro trabalho em um Brasileiro. A Série B daquele ano teve um impacto muito grande, ninguém jogava daquela maneira“, prossegue.

“O time teve jogos marcantes, de domínio absoluto. Mas aos poucos foi ficando mais fácil de marcar e o material humano não era tão recheado. Os outros times aprendiam a marcar e o próprio trabalho do Diniz, naqueles primeiros clubes, tinha problemas de relacionamento”, completa De Lazzari.

Já a jornalista Monique Vilela, setorista da Rádio Banda B na época, acredita que os três intensos meses do jovem técnico pela Vila Capanema serviram como escola para o campeão da Libertadores pelo Fluminense, em 2023.

“Ele tinha passado por clubes menores e agora, pela primeira vez, encarava um calendário longo. Até a relação com a imprensa e com a torcida era novidade. Ele foi aprendendo na prática. E a gente foi vendo ele se transformar em um treinador”, opina.

“Ele não nos deixava assistir aos treinos, tinha muita rigidez, já tinha a personalidade que carrega até hoje. Me parece que mudou um pouco, mas não muito. Essa essência dele, de ser rígido, tentar extrair o melhor do atleta, dos relacionamentos, tem quem goste e quem não goste”, conclui.

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