Já perdi as contas de a quantos Atletibas assisti na vida. Couto Pereira, Arena, Pinheirão, CT do Caju. Paranaense, Brasileiro, Seletiva, Copa Sul, Sul-Minas, Sesquicentenário. Mas em um palco e pelo Festival de Teatro de Curitiba, nunca. Pelo menos até este domingo.

Foi atraído pela curiosidade de conhecer uma nova visão do nosso maior clássico que me voluntariei a cobrir o Fringe pelo Caderno G. Na verdade, não o Fringe em si. Especificamente a peça Atletiba – A comédia. Não só por não querer assumir compromissos que talvez não tivesse tempo de cumprir, mas também pela tal curiosidade citada no começo do parágrafo.

E foi esse mesmo ponto de interrogação que levou quase cem pessoas ao Teatro Saltimbanco, um espacinho pequeno escondido ao lado de uma churrascaria do centro de Curitiba, neste domingo de céu azul, às 15 horas. Dia, clima e horário de Atletiba.
Na rua, coxas-brancas e atleticanos dividiam pacificamente a fila de espera pela peça. Alguns até com camisa, o que garantia uma atmosfera mais futebolística ao espetáculo. Nas conversas, a incerteza do que rolaria lá dentro do teatro.

“Tem um campo de futebol lá, pai?”, perguntou um garotinho de camisa vermelha, que mais tarde o teatro inteiro descobriria ser coxa-branca, imaginando que veria um Atletiba de verdade quando ultrapassasse a porta de madeira pintada em cores chamativas e com versos escritos dentro de desenhos.

As portas enfim se abriram e o povão pôde se acomodar na arquibancada. Isso mesmo, arquibancada. De madeira, sem os assentos e a numeração exigidas pelo Estatuto do Torcedor, mas confortável o suficiente para ver os 55 minutos de peleja no palco (na verdade o que sobrou da sala onde foi montada a arquibancada) sem apuros.
Com a casa devidamente cheia, os hinos dos clubes deram a senha para a entrada do elenco em “campo”. Seis coxas-brancas, seis atleticanos. Na platéia, ao menos no barulho, gol para os rubro-negros, em ligeira vantagem.

Dois garotos, um atleticano e um coxa-branca, trataram de fazer as honras da casa, declamando o amor pelo seu time e traçando, para quem não conhece, um perfil do típico rubro-negro e do alviverde comum. De um lado, o fanatismo sem limites da turma da Baixada. Do outro, o pessimismo otimista do povo do Alto da Glória. Depois dessa breve apresentação, o que se viu foi um festival de piadinhas sobre os rivais, intercalando com a encenação de um namoro entre um atleticano e um coxa-branca.

O arsenal de chistes é bem conhecido dos torcedores. Comentários e provocações facilmente ouvidas em qualquer corredor de escola, cafezinho de repartição ou café da Boca Maldita quando o tema é o Atletiba. Quer ver?

Qual a diferença entre o câncer e o Atlético? O câncer evolui. Telê Santana vai ser o novo técnico do Coxa. Por quê? Os dois estão mortos. Quem vai ser o novo patrocinador do Atlético? As sandálias havaianas, porque o Atlético vive levando chinelada. Quem vai ser o novo patrocinador do Coxa? A Nestlé, porque o Coritiba vive levando chocolate.

Ou historinhas mais elaboradas, como a do rádio que toca o ritmo musical dito pelo dono. Pagode? Zeca Pagodinho. Country? Bruno & Marrone. Se quiser descobrir como ouvir o hino do Atlético, dê uma canelada sem querer na quina da mesa que o termo sairá naturalmente.

Do outro lado, um brincadeirinha com cores. Atleticano de vermelho? Normal. Coxa de vermelho? Invejoso. Atleticano de verde? Miragem. Coxa de verde? Esperançoso. Atleticano de rosa? Não é atleticano. Coxa de rosa? … Melhor você ver a peça e descobrir sozinho.

Às piadas tradicionais de botequim se juntam outras mais atuais. Como a tal mania de grandeza do Atlético, comparado até com argentino no espetáculo. Ou a administração Giovani Gionédis. GG, por sinal, é citado pelos dois lados. Nunca de maneira abonadora. Mas sempre de forma divertida.

Possivelmente uma válvula de escape utilizada pelo diretor Treat Serpa. Coxa-branca roxo (fanático é coisa do rival), daqueles que não perdem um jogo no Couto Pereira, aproveitou a peça para fazer sua crítica ao atual presidente. Mesmo que para isso tivesse de tirar um sarro do próprio time.

Serpa, por sinal, vive um Atletiba diário em casa, com a mulher Simone. Pacífico, garante ele, apesar das piadinhas dos dois lados. “Quando começamos a namorar, disse a ela que só tinha um vício: torcer para o Coxa”, relembra ele, que tem como Atletiba inesquecível a vitória coritibana por 3 a 2 na Arena, em 2001 – o último triunfo verde na Baixada.

Atletiba – a comédia é a primeira experiência de Serpa envolvendo futebol e teatro. E a idéia curiosamente veio de um paranista, Emílio Pitta. A sugestão original era de fazer uma peça sobre os três clubes.

Serpa pensou bem e preferiu, primeiro, celebrar a maior rivalidade do estado. Para isso, recrutou um time de atores coxas-brancas e atleticanos. Assim, evitou qualquer “esforço cênico” de ter um ator rubro-negro interpretando um coxa ou vice-versa. O resultado é uma interpretação típica de torcedor, capaz de arrancar da platéia reações imediatas, como se o espectadores tivessem realmente diante de si um clássico com 11 contra 11.

No fim, Serpa dá um recado contra a violência, com todos os atores falando (e demonstrando) que é possível torcer e rivalizar sem apelar para a igonorância tão comum entre as facções de pseudotorcedores.
O apelo pela paz substitui o encerramento original, que colocava os torcedores das duas equipes cantando suas músicas mais tradicionais: a versão rubro-negra de “Another brick in the wall”, do Pinky Floyd, e a versão alviverde de “Will rock you”, do Queen.

“Preferimos passar a mensagem de que futebol se resolve dentro de campo e que um jogo, além de não mudar a vida de ninguém, não terá o resultado modificado porque as torcidas brigaram”, explica Serpa. Um belo gol nos acréscimos de um Atletiba empatado, mas cheio de bola na rede.

Serviço: Atletiba – A comédia, terá mais três apresentações: terça, quarta e quinta, às 15 horas, no Teatro Saltimbanco (Comendador Macedo, 330). O ingresso custa R$ 20 e R$ 1 (meia).