A abordagem começa de forma discreta e tem roteiro bem definido. Uma despretenciosa mensagem direta no Instagram, rede social preferida dos boleiros, é a isca preferencial de quadrilhas especializadas em manipulação de resultados esportivos.

Em abril, um jogador de destaque da Série B do Campeonato Brasileiro foi um dos alvos escolhidos. Disfarçada como oportunidade, a notificação na rede social chegou durante a concentração com o elenco, dois dias antes de uma partida das primeiras rodadas da competição.

O UmDois Esportes teve acesso ao conteúdo da abordagem criminosa, com áudios e prints das conversas. O nome e o clube do atleta serão preservados por questões de segurança.

Abordagem para manipulação de resultados

O assédio começa a partir do contato de um suposto empresário, que se apresenta como especialista em buscar parcerias e patrocínios para atletas de futebol. A possibilidade de fazer dinheiro fácil é o chamariz.

O aliciador, ligado a uma empresa de fachada, adota discurso padrão: o nome do jogador teria surgido em reuniões da diretoria da companhia, pois ele teria o perfil ideal para atrair parceiros comerciais ligados ao mundo do futebol.

Inicialmente, o criminoso aparenta ter credibilidade. Nada levanta suspeitas quanto ao seu real objetivo.

Seu perfil no Instagram tem mais de 100 mil seguidores, o que fortalece a veracidade do personagem. Fotos ao redor do mundo, algumas delas ao lado de personalidades conhecidas do esporte nacional e mundial, também são fortes elementos de convencimento.

Quadrilha oferta R$ 30 mil por cartão amarelo na Série B

Segundo passo: WhatsApp

Com a primeira parte do script já realizada, a conversa segue para o WhatsApp. É neste momento que o primeiro criminoso passa a bola para um segundo integrante da quadrilha. Ele continua a abordagem, mas agora em um novo nível de proximidade, pelo aplicativo de mensagens.

Até então, o atleta ainda acredita se tratar de uma oportunidade irresistível para conseguir patrocínios pessoais e é apresentado à suposta empresa de marketing esportivo, que tem site oficial constituído e slogan atraente:

Conectamos marcas de prestígio às personalidades mais influentes do Brasil.

A reportagem tentou contato com a referida empresa, mas não obteve retorno.

Marketing malicioso

A conversa continua em mensagens de áudio. O intermediário promete montar uma apresentação do atleta, que seria levada às supostas empresas que, por sua vez, poderiam fechar contratos individuais de patrocínio.

“Temos que montar um mídia kit, que é uma apresentação sobre você, seu trabalho, suas redes sociais, o que você entrega, para conseguirmos vender isto para as empresas”, argumenta o assediador.

Na tentativa de transparecer profissionalismo e conhecimento de causa, ele cita que é necessário fazer um branding para fortalecer a persona do jogador e, assim, aumentar o potencial de venda.

É neste momento, contudo, que o tom da troca de mensagens começa a mudar. Uma proposta de dinheiro fácil é colocada na mesa. É o prelúdio da oferta criminosa.

“Mas não é somente isso. Temos diversas áreas empreendedoras em que você pode nos ajudar”.

Manipulação “100% segura”

Quadrilhas pagam R$ 30 mil por cartão amarelo
Quadrilhas pagam R$ 30 mil por cartão amarelo. Foto: Icon Sport

O empreendedorismo em questão é resumido como de alto e fácil lucro, mas não tem nada a ver com marketing: é a velha e conhecida manipulação de cartões amarelos.

“Temos também a parte mais lucrativa de todas e 100% segura, deixando bem claro, que é a parte de garantir cartão”, afirma o manipulador, em outro áudio.

Neste caso, os participantes do esquema buscavam um cartão amarelo antes dos 30 minutos do primeiro tempo da próxima partida da Série B, que seria em dois dias.

Na tentativa de cooptar o jogador, o aliciador ainda afirma que, caso outro atleta de sua equipe recebesse o cartão amarelo antes deste período de tempo, ele não precisaria mais receber a advertência e mesmo assim teria seu pagamento garantido.

“Imagine que a gente precisa de um cartão amarelo até os 30 minutos do primeiro tempo. Se alguém do seu time tomar, maravilha, você não precisa fazer nada e ganhou R$ 30 mil… Se ninguém tomar o amarelo próximo deste tempo, você precisa garantir que isso aconteça”, diz um último áudio.

O valor oferecido era de R$ 15 mil adiantados e outros R$ 15 mil após a execução da manipulação.

Boletim de ocorrências e comunicação à CBF

A proposta de manipulação de resultado relatada na reportagem, no entanto, não foi executada pelo atleta assediado pelos criminosos.

Após a conversa passar a envolver a oferta de dinheiro em troca do cartão amarelo, o jogador comunicou o fato à direção do clube, que por sua realizou boletim de ocorrência em uma delegacia e notificou o fato à Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Em contato com a reportagem do UmDois Esportes, a CBF afirmou que “qualquer denúncia como essa é encaminhada para a Unidade de Integridade do Futebol Brasileiro e fica imediatamente sob sigilo”.

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