Futebol
Entrevista

Executivo da Globo admite crítica “pertinente” do Athletico à divisão do PPV

Por
Fernando Rudnick
06/04/2022 18:14 - Atualizado: 04/10/2023 16:50
Fernando Manuel Pinto, executivo da Globo.
Fernando Manuel Pinto, executivo da Globo. | Foto: Divulgação

A poucos dias do início do Brasileirão, o diretor de direitos e relacionamento do futebol da Globo, Fernando Manuel Pinto, falou com o UmDois Esportes sobre o futuro da relação da emissora com os times brasileiros.

Nesta temporada, o acordo com os representantes da Série A chega exatamente à metade. Restam mais dois anos (2023 e 2024) até o início de uma nova fase na TV aberta, possivelmente com prévias negociações coletivas através de uma liga de clubes. Ou será que a Globo ainda pensa individualmente?

"Quanto ao futuro, creio que dependerá da real intenção dos clubes e principalmente das discussões que podem levar à criação de uma liga. Falando por mim, por exemplo, não me vejo negociando individualmente de novo, pelo menos não por esse mesmo ângulo", enfatiza o responsável por formatar o atual modelo de cotas televisivas.

Homem-forte do futebol da Globo desde 2017, Fernando Manuel implantou uma maneira de distribuição mais justa para os direitos de televisão aberta e fechada (40% igualitária, 30% por transmissões na TV aberta e 30% por desempenho).

O mesmo não acontece com o pay-per-view (PPV), onde o tamanho das torcidas ainda prevalece. E ele não tem medo de admitir que essa disparidade – criticada duramente pelo presidente atleticano Mario Celso Petraglia – tem seu fundamento.

"O Athletico tem uma crítica absolutamente certa, pertinente, sobre o modelo de rateio das verbas de PPV/OTT. Claro que é um dos pontos a serem revistos pelos clubes e por quem operar isso da ponta compradora no futuro. Nesse ciclo, chegou atrasado. Os pilares econômicos e institucionais do modelo atual impedem regras de exceção à essa altura. Fica para o próximo e que Athletico ajude a desenvolvê-lo, junto aos demais clubes e quem operar isso", afirma.

Leia a entrevista completa:

Como você e a Globo observam essa nova fase do futebol brasileiro, digamos assim, com vários clubes tornando-se SAFs? Como isso pode impactar, na sua visão, no produto futebol?
Impacto positivo. Oportunidade de trazer para futebol brasileiro uma visão mais empresarial e profissional. Uma injeção de capitalismo fará bem ao futebol e consequentemente ao país. Esse modelo não é para o futebol. Na realidade é para quem empreende, emprega gente e recursos, faz a roda da economia girar. O futebol deve fazer mais pelo país, tenhamos isso em mente também ou até principalmente. Agora, o Brasil larga com enorme atraso e há um longo caminho a ser percorrido pelos clubes brasileiros para que sejam efetivamente percebidos como atraentes pelos investidores e tenhamos modelos de negócios saudáveis para os envolvidos.

A Globo tem contratos individuais com clubes para transmitir o Brasileirão por mais três temporadas (2022, 2023 e 2024). No próximo ciclo é possível descartar que aconteçam negociações individuais? A prioridade da Globo é negociar coletivamente? É cedo para tratar do assunto ou já há atraso?
Pois é, estamos exatamente no meio do ciclo contratual atual, cuja estratégia montei, implementei e me orgulho. Teve início em 2019 e regulará o pacto sobre direitos até 2024. Mais de 40 clubes signatários, talvez a coisa mais parecida com uma liga que já tivemos no Brasil, pois estabelece critérios comuns aos clubes com base em equilíbrio e meritocracia. Foi uma negociação forçosamente individualizada, clube a clube e ainda com desdobramentos para cada mídia de forma específica. Mesmo assim, resultou em modelo coletivo e padronizado de contratação e alocação dos recursos entre os clubes. Quanto ao futuro, creio que dependerá da real intenção dos clubes e principalmente das discussões que podem levar à criação de uma liga. Falando por mim, por exemplo, não me vejo negociando individualmente de novo, pelo menos não por esse mesmo ângulo. Em tese, há a oportunidade dos clubes pegarem carona no modelo coletivo que já existe hoje para aprimorá-lo, centralizando de vez a gestão não só dos direitos mas principalmente do produto em si, além de melhorarem aspectos como o rateio de determinadas verbas para maior equilíbrio. Isso deve ser feito. Torço para que ocorra. Servir de ponto de partida para isso será o maior legado das negociações individualizadas que levaram ao modelo coletivo vigente.

O contrato vigente da Série B acaba em 2022. Os clubes têm se organizado e falam em aumentar (bastante) os valores para um novo acordo. Como está esse cenário? É provável um contrato mais curto, apenas até 2024, para que no futuro haja uma paridade com a Série A (e eventual liga de clubes)?
Todos querem mais, o que é legítimo caso se trabalhe e aprimore a estratégia para tal. Considero que seja sim um bom caminho para a Série B e para o futebol brasileiro como um todo tratar de um período contratual que o iguale ao ciclo da Série A. Essa estratégia revela oportunidades de desenvolvimento, sem dúvida.

A Globo passa por mudanças na aquisição de direitos, abrindo mão da exclusividade de algumas competições, negociando participação de outros players em competições que já possuía direitos. Qual a prioridade da emissora hoje, falando em futebol e esporte? O “abandono” completo dos Estaduais ainda não aconteceu por causa de questões pontuais/culturais locais?
O mundo dos negócios demanda mais seletividade nos investimentos, ainda mais dessa natureza, compra de direitos de terceiros, restrito a determinado tempo, o que na prática se revela como um aluguel do ativo. Fora isso, há muita transformação na maneira como se oferta e se consome conteúdo. Cabe atenção, direitos são comprados e explorados com base nisso. Não falo pela Globo oficialmente sobre sua estratégia de produto. É algo acima de mim, cabe a quem lidera a empresa e opera seus produtos, mas faz todo o sentido nos dias atuais revisitar em quais raias correr de fato e como.

Temos observado diversos movimentos para criação de uma liga brasileira de clubes. Talvez estejamos no momento mais próximo dessa concretização, sem a barreira que a CBF sempre impôs a esses movimentos. A Globo, como maior parceira comercial do esporte, tem atuado de alguma maneira, seja conversando com clubes (individualmente ou coletivamente), falando com possíveis investidores, ou apenas observa o mercado?
Conversamos com todos, buscamos acompanhar e ajudar dentro do possível. Faço votos que ocorra mas, convenhamos, é uma pauta que para dar certo deve ser dos clubes entre si e, uma vez que se entendam, deve envolver CBF. Não há liga que, na prática, não resulte de dois pactos: o da governança das pautas do conjunto de clubes e das pautas de tal conjunto de clubes com quem administra o futebol.

A Globo se enxerga como mais do que uma parceira/compradora de direitos de uma eventual liga de futebol nacional, ela se vê como uma possível compradora/investidora desse produto?
A Globo é a principal compradora de direitos do futebol nacional, portanto a maior investidora dos campeonatos nacionais na área de direitos. Compra-se direitos de quem os vende. Não compramos de uma liga porque ela não existe. Existem os clubes, a quem no final coube, cabe e caberá decidir como gerir o produto e vender seus direitos. Eles tem feito isso individualmente. Podem fazer coletivamente e funcionará? Sim. Deveriam.

O Athletico segue sem contrato de PPV e TV fechada com a Globo. Houve alguma conversa sobre isso recentemente ou é impossível chegar a um acordo nesse caso? Qual o maior empecilho?
O Athletico tem uma crítica absolutamente certa, pertinente, sobre o modelo de rateio das verbas de PPV/OTT. Claro que é um dos pontos a serem revistos pelos clubes e por quem operar isso da ponta compradora no futuro. Nesse ciclo, chegou atrasado. Os pilares econômicos e institucionais do modelo atual impedem regras de exceção à essa altura. Fica para o próximo e que Athletico ajude a desenvolvê-lo, junto aos demais clubes e quem operar isso. Fizemos o melhor possível para esse ciclo 2019-24: um modelo coletivo ainda que imperfeito e aqui me refiro ao PPV/OTT. Um modelo coletivo e imperfeito pode ser aprimorado mantendo o caráter coletivo. Não viraríamos Inglaterra da noite para o dia e o que temos é muito melhor do que o formato com preços fixos que cada time tinha até 2018, não importando qualquer nuance de equilíbrio ou meritocracia. Não esqueçamos que esse ciclo contratual foi negociado sob intensa disputa de direitos e Athletico se posicionou desde o início contra a proposta da Globo, talvez sem sequer ter se importado em conhecê-la, sua real intenção de construção coletiva e de transição.

Muitos dirigentes dizem que os valores pagos no futebol brasileiro estão extremamente defasados e há espaço para aumentar o bolo de maneira significativa. Qual o tamanho dessa defasagem? Não se pode dizer que inexiste defasagem nem que ela haja, seu tamanho etc. O valor dos direitos, em dado mercado, é determinado pelo que se paga considerando a dinâmica econômica e competitiva na qual os direitos se inserem, como eles são colocados à venda, a estratégia. Em tese, quanto mais aquecida a economia e a concorrência, mais alto fica o valor dos direitos. No Brasil, olhando a Série A, por exemplo, os direitos do ciclo atual foram negociados com grande expansão econômica na mídia e tecnologia e com notória concorrência. Então, os direitos estão em patamar elevado ou algum lado fez um negócio muito bom.

A desistência da TNT das transmissões do Brasileirão foi ruim para o produto futebol? Foi bom para a Globo?
Parabenizo a TNT por acreditar e investir no futebol brasileiro lá em 2016 e na sequência também, mas, no fundo, seu movimento não levou à divisão organizada de direitos, ou seja, a criação de uma janela certa de jogos a serem exibidos. Acabou levando, embora claramente não fosse a intenção, a uma divisão dos clubes. Perigosa essa história de grupos de clubes aqui ou acolá e volta e meia vejo ressurgir. Tenhamos unidade dos clubes e do arranjo de direitos. É o passo seguro. Melhor um arranjo coletivo imperfeito que, por ser coletivo, seja passível de aprimoramento no tempo do que modelos paralelos de grupos A ou B, que eventualmente não se encaixarão jamais. Esse foi um dos objetivos do movimento que Globo fez ano passado, convidando clubes cujos direitos de TV Fechada retornarem a aportarem os direitos no Modelo 2019-24. Muito positivo para hoje e para o amanhã, colocando todos na mesma situação, mesmo ponto de partida.

A licitação para os contratos da Libertadores e Sul-Americana de 2023 a 2024 se encerra em abril. Voltar a transmitir Copa Libertadores é prioridade para a Globo? Olhando hoje, a rescisão de contrato com Conmebol foi acertada?A Globo participará do processo, com respeito e compreensão do desafio. A rescisão do contrato anterior fala com um contexto, momento e decisões sobre as quais não me cabe comentar.

A Globo era tachada de ‘vilã’ por parte do público ao “monopolizar” o futebol brasileiro há alguns anos. Agora, vendo diversos campeonatos sendo transmitidos por streamings pagos, não é difícil perceber muitas críticas nas redes sociais à essa diversificação (com cobrança de serviços diferentes). Você acredita que a tendência é continuarmos a ver diferentes players e o futebol continuar sendo “dividido”?
Veja, por todo o período que me recordo, seja como torcedor, como executivo responsável por temas que não o futebol e nessa fase mais próxima realmente do futebol, acho que sempre houve grande concorrência e ofertas paralelas de futebol. Em todas as situações, respeitando o trabalho de todos, a Globo atuou legitimamente na construção de negócios que falavam com o ecossistema vigente e a qualidade da cobertura da Globo se destacou no meio. Igualmente, destaco a abordagem do grupo com futebol, tratando-o como elemento social e cultural do país ofertando grandes jogos em TV Aberta e não apenas pulverizando e exibindo os principais jogos mediante pagamento. É de fato admirável. A Globo contribuiu para que futebol brasileiro seja a chamada “paixão nacional”, consolidou ocasiões e hábitos da relação do povo com seus clubes e com os campeonatos.

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