Jerry Lampen/Reuters
Jerry Lampen/Reuters

A primeira vez que me deparei com Ronaldo foi em novembro de 1999. Entrei em uma loja de conveniência em Sydney, na Austrália, e o astro comprava algumas guloseimas. Falei um ‘opa’ meio sem jeito e ele respondeu com simpatia.

O já consagrado jogador havia sido levado para o outro lado do mundo pela CBF para amistosos caça-níquel na Oceania. Não lembro exatamente o motivo, mas a Fifa vetou a entrada dele em campo.

Mas me marcou mesmo o fato de ele não ser incomodado por ninguém dentro da lojinha – naquele país desfrutava algo incomum: a vida de anônimo, pois os australianos pouco entendem de bola.

Depois, para o meu orgulho profissional, fui designado a cobrir a Copa do Mundo de 2002 por esta Gazeta do Povo.

Primeiro treino em Ulsan, o Fenômeno vestia uma jaqueta pesada em um dia de calor intenso na Coreia do Sul. Suava muito. Era nítido que estava acima do peso e precisava emagrecer para o Mundial.

Desacreditado, o camisa 9 era motivo de piada entre os jornalistas. E não era só maldade. Seus primeiros treinos eram lastimáveis. Recordo de deixar algumas vezes o local de atividades com pena e angústia.

Nas entrevistas diárias com os atletas, um dia era Rivaldo no outro Ronaldo. O meia atendia a todos. Simpatia pura. Já o centroavante, não parecia muito disposto a falar. Era sempre colocado na parede.

Dentro de campo, desnecessário contar o final feliz dessa história.

No ano seguinte, também a trabalho, fui à cidade do Porto para o amistoso entre Brasil e Portugal. Ronaldo estava lá. Não jogou também. Mais uma vez serviu de chamariz para o público. Segundo relatos no hotel, na véspera da partida, tomou muitas cervejas com os amigos.

Naquela altura, tudo era permitido ao craque que havia se tornado um emocionante herói ao marcar dois gols na final da Copa.

No Mundial seguinte, lá estava eu de volta seguindo a seleção brasileira. Acho que mais por acaso do que planejamento, estive em todas as entrevistas do atacante na Alemanha. Deixei o evento com a sensação de que Ronaldo foi a única coisa que valeu a pena para mim naquela cobertura.

Vi ele fazer história novamente – maior artilheiro das Copas. Observei também o quanto ele atrai os olhares e ofusca os seus companheiros. Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, era o melhor do mundo e campeão europeu pelo Barcelona. Mas as bolhas no pé direito do ‘gordo’ sempre foram mais assunto que o craque do momento.

No sábado à noite, uma coisa curiosa ocorreu. Tirei da prateleira o já empoeirado livro Ronaldo – Glória e Drama no Futebol Globalizado (2002, Editora 34), de Jorge Caldeira, para reler a descrição do primeiro gol brasileiro na final da Copa de 2002. Acho incrível o relato feito na obra. Já fiz isso várias vezes. Mas desta vez, por coincidência, reli praticamente as 300 páginas.

Comecei por 98 e a história da convulsão. Depois, passei para a trajetória no PSV, da Holanda, e engatei os dias de glória no Barcelona. Uma história de tirar o fôlego com uma descrição incrível. No dia seguinte, soube do anúncio da aposentadoria marcado para ontem.

Para mim, com a biografia não autorizada do craque latente na memória, ouvir esse adeus agora foi tão surpreendente como o primeiro contato com o jogador – a imagem de um ser comum empunhando uma sacola de doces na mão e andando desconhecido por um shopping.