Já faz algumas semanas, a firma inaugurou dois jornais virtuais no interior do Paraná. O Jornal de Londrina Online (ou JLO – JayLo, para os fãs do Buzz) e o Jornal de Maringá. Como a marcha lenta das férias me impede de fuçar mais coisas sobre a bola nessas duas cidades, recorro aos dois caras que eu conheço que mais entendem do futebol de Maringá e de Londrina: Jones Rossi e Felipe Lessa.

Vou postar textos dos dois, originalmente publicados no De Primeira, blog do qual também faço parte com muito orgulho há cinco anos. Um Clássico do Café dos bons, daqueles que infelizmente não vemos mais no Café ou no Willie Davids.

O fim do Grêmio Maringá
Jones Rossi

Vou falar do fim do Grêmio Maringá, ou de sua última ressurreição como Galo/ADAP, como quem se considerou durante muito tempo o maior torcedor vivo do Galo do Norte. Alguém que era tido como um E.T. quando, nos tempos de infante estudante primário no Barddal da Pedro Ivo, anunciava seu amor, estranho amor, pelo Grê-mi-o Ma-rin-gá, escandindo todas as sílabas para que os coxinhas, atleticaninhos, coloradinhos e pinheiristinhas entendessem. Para se ter uma idéia, eu ainda lembro como comemorei feito louco com meu pai um empate por 3 a 3 com o Pinheiros no Erton Coelho, em 88.

Mas em se tratando de Grêmio Maringá, os resultados eram acessórios, como qualquer genuíno torcedor de time pequeno sabe. A maior alegria era simplesmente ser torcedor. Ponto final. Como morador de uma pequena aldeia que resiste a um exército. Como se fizéssemos parte de uma sociedade secreta. Sim, e mesmo em território hostil, de vez em quando dava para encontrar outros membros.

Em um desses bingos que rolavam nos estádios na década de 80, fui com o meu pai tentar a sorte grande e levar um Chevette para casa. Promovido por um time de futebol, o Pinheiros, a cada prêmio o locutor perguntava o time do caboclo. Coxas e atleticanos eram a maioria. Aparecerem torcedores do Pinheiros e Colorado em bom número. Mas eis que um louco solta, com a boa educação típica do pé-vermelho católico e temente a Deus: “olha, você vai me desculpar, mas sou Galo, sou Grêmio Maringá.” É sério, houve uma pequena ovação no estádio e meu pai perdeu a conta de quantos se levantaram para declarar a mesma paixão. Ou loucura, afinal, nosso ídolo era o Marinho Rã…

Meu pai, zagueiro dos bons, homem sério e de poucos sorrisos, embora feliz, nunca foi um fanático por futebol. Era santista como meu avô e gostava do Pelé (“o Negão era foda”, dizia, permitindo-se falar um raro palavrão). Mas, contrariando a postura pouco apaixonada em relação ao futebol, viajou para Curitiba para ver a final do Campeonato Paranaense de 1977. Ali, contra arbitragem, bastidores, Evangelino, Couto Pereira, torcida, contra tudo, o Grêmio Maringá venceu o estadual e interrompeu uma série de seis títulos seguidos do Coxa. Ele dizia que era para ter acontecido ainda um ano antes, em 76, mas que a gente tinha sido roubado.

Depois de morar em Floresta, Mallet e Bom Sucesso, a gente se mudou para Curitiba no ano em que o Coritiba foi campeão brasileiro. O melhor amigo do meu pai, que trabalhou com ele no Banestado de Mallet, nos levou ao Couto para tentar ao menos me converter. Não gostei de nada daquilo. Não por se tratar do Coritiba. Mas por achar que seria renegar minhas origens torcer por um time tão grande e forte, tão curitibano, tão pouco interior, pelo menos na minha visão de moleque de seis anos com uma puta saudade da terra vermelha.

Acho que um dos dias de maior orgulho pro meu pai foi quando falei que continuaria torcendo para o Grêmio Maringá. Passou a mão nos meus cabelos e abriu o sorriso. Eu era como ele. E gente como a gente não gosta nem de morar na capital. (Eu reconheço a ironia disso tudo. Eu passei a minha vida planejando voltar para Maringá e acabei em São Paulo…)

Meu pai morreu em 1994 e com ele o Grêmio Maringá. O time foi rebaixado no mesmo ano. Um ano depois, de pura tristeza, meu avô, pai do meu pai, também se foi. Os dois foram enterrados a metros um do outro, no cemitério de Floresta. Desde então voltei umas três ou quatro vezes lá. Duas vezes no Willie Davids. Quando minha mãe estava grávida de mim, costumava contrariar as orientações do meu pai e ia, assim mesmo, ao estádio. Mas, junto com meu pai, não lembro de ter ido sequer uma vez até lá. Há poucas coisas mais tristes que deixar de ir a um estádio de futebol com o pai.

Foi a única vez que chorei por futebol. Quando o Grêmio caiu para a segunda divisão do Paranaense. Era um choro por causa do câncer do meu pai. Os dois em estado terminal. Minha vida ia mudar para sempre. A gente chora por essas coisas também, quando percebe que agora é com você e não tem jeito.

Comecei a trabalhar para ajudar em casa. Nunca abandonei o Grêmio, um time sem um centésimo da mística de um Flamengo ou Corinthians, mas que para mim era o único que fazia sentido. Nunca me sentiria bem sendo apenas um entre 30 milhões de flamenguistas ou 20 milhões de corintianos.

Maringá era para mim como o sol amarelo para o Superman. Pena que o Grêmio estivesse mais para Krypton, prestes a implodir. O Guilherme Voitch vai lembrar do dia em que cruzamos o Paraná em cinco horas para ver Jon Espencer Blues Explosion em Maringá. Era 2001, e o Grêmio levava 20 mil pessoas por jogo na segundona do Paranaense e uma banda do naipe do Jon Espencer se apresentava numa cidade que não era exatamente Nova York. Foram 25 mil contra a Lusinha Londrinense no WD. Parecia o início de uma nova era de ouro. No ano seguinte, fomos vice-campeões paranaenses. O que poderia dar errado?

Mas os maringaenses abandonaram o Grêmio. O time, que já havia sido vendido e mudado o escudo, deixou de ser parte da cidade para se tornar propriedade de um empresário maluco. Depois voltou sob as ordens de um time de Campo Mourão, uma bizarrice igual ao Ipatinga comprar o Atlético Mineiro. Agora acabou de vez. Um grupo de empresários quer fazer o Grêmio original voltar por baixo, partindo da terceira divisão do Paranaense. Infelizmente, não dá mais. O Grêmio que eu conhecia morreu com o meu pai. Putz, mas como eu torço para estar errado.