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De escudeiro a presidente do Coritiba: a missão de Juarez para honrar Follador

Por
Fernando Rudnick
02/09/2021 14:12 - Atualizado: 04/10/2023 17:32
Juarez Moraes, presidente do Coritiba.
Juarez Moraes, presidente do Coritiba. | Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes/Gazeta do Povo

Os planos de Juarez Moraes e Silva, 63 anos, mudaram drasticamente desde março de 2020, quando a pandemia de Covid-19 atingiu o Brasil.

Um mês antes, o então diretor superintendente do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) resolveu deixar o cargo para viajar pelo mundo após 40 anos de uma bem-sucedida carreira profissional, primeiro na área de importação e exportação, e depois como gestor portuário.

Mas ao invés de rumar para a Itália em março – e ter de se preocupar apenas com roteiros para alcançar a sonhada marca de 100 países visitados –, ele embarcou direto para o isolamento. E junto com o "novo normal", no fim de  agosto, encarou seu maior medo.

O novo coronavírus pegou Juarez de jeito, mas por sorte a doença não atingiu seus pulmões. Mesmo sem precisar de internação hospitalar, perdeu 15 kg, teve anemia grave e desenvolveu diabetes. "Mal tinha forças para andar", relata o senhor de barba branca, cabelos grisalhos e olhos azuis.

A recuperação total só aconteceu seis meses depois, em março de 2021, quando já havia sido empossado 1º vice-presidente do Coritiba. Convidado por Renato Follador Júnior para fazer parte do G5, Juarez aceitou o convite porque, no fundo, imaginava que o grande amigo desistiria da empreitada.

Como a suspeita não se confirmou, coube a ele cumprir a palavra e auxiliar na campanha, apesar de ainda debilitado pela Covid-19. Após a vitória esmagadora na eleição, com 75,77% dos votos, manteve-se low profile dentro da diretoria.

“Vim para o Coritiba pela paixão pelo clube e pelo pedido dele [Renato Follador]. Vim também no espírito de ser um escudeiro, com atuação discreta e sem exposição. Até por que Renato sempre teve essa característica de liderança – e você fortalece o líder, não concorre com ele”, justifica Juarez.

Mas o principal impacto da pandemia ainda estava por vir. Em 27 de maio, Follador testou negativo para Covid-19 e cumpriu expediente no Couto Pereira. O compromisso era a assinatura de um convênio para lançamento do Consórcio Coxa.

Na volta para casa, Juarez pegou carona com o amigo. Foi a última vez que o viu. “Lembro claramente e em detalhes. Ele estava muito preocupado. Tinha recém feito um exame e iria repetir porque estava com febre e constipado. Isso foi dois dias antes de se internar”, recorda.

Ao dar entrada no Hospital do Rocio, em Campo Largo, Follador ainda se preocupou em pedir para o vice-presidente a assumir interinamente. Dois dias depois, no entanto, precisou ser transferido para a UTI, onde foi entubado. O dirigente resistiu por 30 dias, mas faleceu em 3 de julho por complicações do coronavírus.

“O sentimento que tenho é de que em nenhum momento o Renato achou que não iria voltar”, diz Juarez, que embarga a voz ao falar de quem considerava “mais do que um irmão” e de uma situação, talvez, paradoxal.

“Achei que eu não estaria mais aqui [por causa da Covid-19]. Quando volto [para o clube], meu querido amigo se vai. Entendi isso como um fator do destino”.

Juarez Moraes e Silva, no Couto Pereira. Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes
Juarez Moraes e Silva, no Couto Pereira. Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes

Relação espiritual

A inesperada despedida deixou Juarez em uma encruzilhada. Ele ponderou se realmente deveria assumir o posto. Afinal, considerava que não foi eleito para ser o presidente – seu compromisso resumia-se à retaguarda, longe dos holofotes.

A dúvida logo se dissipou. “Quando aconteceu a definição do destino do Renato, aconteceu também a definição do meu destino no Coritiba”, filosofa.

A recusa estava fora de questão após reunião com o G5, o Conselho Administrativo. As quatro décadas de amizade com o empresário e consultor em previdência, claro, falaram mais alto.

Juarez tinha 19 anos quando conheceu Renato Follador Júnior, quatro anos mais velho, no movimento estudantil. A afinidade foi imediata.

“Ele já tinha sido candidato a vereador e jogava futebol. Para a nossa geração, era uma referência, um cara acima da média e um líder natural. Não se apaixonar pelo Renato à primeira vista era impossível”, garante.

A dupla nunca mais perdeu contato. Chegaram a trabalhar juntos na administração do governo estadual, entre 1979 e 1982, no segundo mandato de Ney Braga. E ainda tinham o Coxa como paixão mútua.

Juarez foi ao Couto Pereira (na época ainda chamado de Belfort Duarte) pela primeira vez aos quatro anos de idade. Quem o levou foi seu pai, Alfredo, que chegou a jogar pelo time do Alto da Glória antes de optar pela Medicina. Já o amigo era filho de, ninguém menos, Renatinho Follador, veloz e habilidoso ponta-esquerda, ídolo nos anos de 1950.

“Existem relações fraternais de família, geneticamente falando. E têm outras espirituais, de vida. Com o Renato era uma relação espiritual. Ele sempre foi mais do que um irmão, sempre convivi com toda família dele. Sempre me senti como se fosse um filho adotado. Acho que convivi mais com a família dele do que com a minha”, acredita o presidente coxa-branca.

Realizados profissionalmente em suas áreas, ambos chegaram juntos ao clube do coração. Os caminhos foram diferentes e a missão, agora, está nas mãos do fiel escudeiro. “Quis o destino que agora eu, com a equipe extraordinária que ele escolheu, tentasse fazer o Coritiba ressuscitar".

Juarez e Follador eram amigos há 40 anos. Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes
Juarez e Follador eram amigos há 40 anos. Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes

Identidade

Vestindo calça jeans azul clara e camiseta polo verde escura, combinando com um paletó acinzentado, Juarez Moraes e Silva recebeu a reportagem do UmDois Esportes na sala onde Follador despachava diariamente no Couto Pereira.

Curitibano, nascido em 1957, estudou no Colégio Santa Maria durante a infância e adolescência. A educação marista lhe influenciou, quase na mesma medida, na forte crença católica e ainda na paixão pela bola.

“Jogava muito futebol. Era um bom jogador amador, um médio-volante estilo Amarildo, dando pancada”, brinca o dirigente, que é divorciado há 15 anos e tem um filho, duas filhas e também quatro netos, com idades entre 16 e um ano e meio. “Todos coxas-brancas. Quem não for, não ganha presente”, gargalha.

Sua formação original é em Direito, mas a carreira se orientou para o comércio exterior. Antes, porém, arriscou entrar na política por influência de Ney Braga. Foi candidato a deputado estadual aos 24 anos de idade, ficou como suplente e depois se desiludiu com o meio.

Em duas décadas na iniciativa privada, especializou-se na área de comercialização de alimentos. Na sequência, no início dos anos 1990, desceu a Serra do Mar para trabalhar com logística, em uma área totalmente nova.

“Peguei todo desenvolvimento dos portos de Paranaguá e Antonina na veia. A movimentação, a tecnologia e o próprio mercado brasileiro multiplicaram-se várias vezes no período em que fiquei lá”, aponta Juarez, que comandou os dois os terminais portuários em épocas diferentes.

Quando citou suas referências, Juarez surpreendeu pela amplitude. O político Ney Braga é exemplo para as relações interpessoais. Do pai, vêm todos os valores que carrega com orgulho. E o terceiro nome citado o ensinou a sempre ir além do limite e fazer tudo com paixão.

“Sou muito fã do Ayrton Senna”, revela. “Tenho capacete original, três carros em miniatura, estatuetas, pinturas estilizadas. Na hora do acidente, estava na sala da casa de Morretes do Renato. Foi um dos maiores sofrimentos da minha vida”, emenda.

Ayrton Senna é um dos ídolos do dirigente. Foto: Arquivo Pessoal.
Ayrton Senna é um dos ídolos do dirigente. Foto: Arquivo Pessoal.

Mais difícil que uma padaria

Apesar de contar com a experiência de quem que já dirigiu empresas com milhares de funcionários, Juarez Moraes e Silva é enfático ao afirmar que o Coritiba é o maior desafio que já teve. Aliás, ele esclarece que não há comparação com uma padaria, em referência à polêmica frase que Follador utilizava durante a campanha.

“O Renato até brincava, era uma provocação dele, no estilo dele, que dirigir o Coritiba era mais fácil do que dirigir uma padaria. Não é”, pontua Juarez.

“O Coritiba, além de ser uma estrutura organizacional complexa – vivendo um momento difícil financeiramente –, tem essa questão da paixão. E nos primeiros meses aqui, o clube faz uma de suas piores campanhas no Paranaense, que não valia nada, mas era importante pelo orgulho próprio da torcida”.

Ou seja, a nova gestão, que surgiu como esperança de mudança, virou sinônimo de frustração logo de cara. Pelo menos, na visão de Juarez, a eliminação na primeira fase do Estadual foi uma “pancada na hora certa” para a correção de rota. Ajuste feito sem a necessidade de alterar o comando técnico do paraguaio Gustavo Morínigo, o menor dos culpados, de acordo com o presidente.

As medidas internas – como a saída do CEO José Carlos Brunoro e a contratação da consultoria Alvarez & Marsal – surtiram efeito e hoje o Coxa lidera a Série B de forma isolada após 22 rodadas, com 42 pontos.

Se o desempenho continuar assim, o acesso parece encaminhado. Ao mesmo tempo, a nova diretoria faz o possível para cortar despesas e buscar novas receitas, enquanto ainda aprende os meandros e malícias do futebol.

“Temos de aprender como o mecanismo anda, saber quem é quem nesse meio – que é um meio sofisticado e nem sempre retilíneo. Você tem que separar muito o joio do trigo”, frisa Juarez, que tem dedicado pelo menos 12 horas por dia ao Coxa e, acima de tudo, aplicado seus conhecimentos empresariais na prática.

“Você tem que ser um gestor de gente. Se eu for me definir, sou um conciliador. Articulo as pessoas e objetivos sempre com sustentação técnica. Não consigo tomar uma decisão emocional”, garante.

O apelo à torcida, exaustivamente feito em vídeos e mensagens enviadas por WhatsApp, também é lembrado durante a entrevista. Cumprir a promessa de transformar o Coxa em uma empresa enxuta e competitiva passa pelo crescimento exponencial do número de associados.

“Hoje temos a marca depreciada pelos anos anteriores e apenas 11.500 sócios para 1 milhão de torcedores. Isso é inaceitável”, lamenta Juarez, que já fez empréstimos pessoais ao clube para auxiliar no pagamento da folha salarial e impostos. Em abril, ele também emprestou dinheiro (sem juros caso ressarcido até setembro) em um modelo embrionário de fundo de investimento coxa-branca.

O desafio é grande. O potencial também. O sonho é gigante: fechar o mandato com o Coritiba estruturado e garantido na Libertadores de 2024. Por que não?

“Para nós, só tem um sonho, que é fazer do Coritiba um gigante de novo. Para honrar, a cada minuto, o legado do Renato”, conclui o escudeiro Juarez.

Sonho é estruturar o Coxa e chegar na Libertadores. Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes
Sonho é estruturar o Coxa e chegar na Libertadores. Foto: Albari Rosa/Foto Digital/UmDois Esportes
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