Não foi apenas a torcida do Coritiba que celebrou a conquista do título brasileiro de 1985. Três dias antes da decisão no Maracanã, o Bangu já comemorava a honraria nacional, após a vitória por 3 a 1 sobre o Brasil de Pelotas, na segunda partida da semifinal.

“Teve uma festa absurda na sede social do Bangu, porque o Bangu já era campeão”, conta Carlos Molinari, historiador do clube, autor do Almanaque do Bangu.

Impulsionado pelo financiamento do bicheiro, Castor de Andrade, o clube carioca do craque Marinho contava as horas para a comemoração derradeira. O duelo contra o Coxa era mera formalidade.

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Equipe do Bangu na final de 1985. Foto: Acervo Bangu A. C./Carlos Molinari

A euforia era tanta que, durante os festejos, o Bangu vendeu todas as camisas do time para os torcedores presentes na sede do clube. Inclusive os uniformes que seriam usados na decisão do Campeonato Brasileiro.

“Venderam todos os kits de camisas que tinham. Não tinha camisa para o jogo contra o Coritiba. Tiveram que pegar uma camisa branca, sem a logomarca da Adidas, que tinha sido utilizada em 1983, e que não era a camisa da campanha”, detalha Molinari.

Mas não foram somente os torcedores e a diretoria de Castor de Andrade que acabaram contaminados pelo clima do “já ganhou”. A equipe ganhou folga na segunda-feira e a comissão técnica liderada pelo técnico Moisés aproveitou o dia na praia.

“Outra coisa que motivou a gente, vendo televisão, no programa de esportes, o Moisés estava sentado comendo camarão e tomando chope, e falando que ia ser tranquilo. A gente ficou revoltado com aquilo… A gente achou aquilo um absurdo e nos motivou ainda mais “, conta o ponta-esquerda Edson Gonzaga, no podcast Carneiro & Mafuz.

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Disputa acirrada no Maracanã. Foto: Acervo Bangu A. C./Carlos Molinari

Na terça-feira, o treino foi aberto para a torcida, em clima de fanfarra. Na quarta-feira, em meio ao caos de nem sequer ter o jogo de uniformes correto à disposição, o Bangu cairia de joelhos frente ao Coritiba.

“A delegação do Bangu saiu em cima da hora da Toca do Castor e chegou atrasada ao jogo. O ônibus não conseguia chegar ao Maracanã. E os jogadores descem e vão a pé, em meio aos torcedores, para o estádio”, explica Molinari.

“Coisa de maluco, no dia mais importante da vida, você chega atrasado ao estádio e com um uniforme que não era o daquele ano. É inacreditável”, completa.

Final de 1985 marcou auge e derrocada de um Bangu que definhou

O golpe da derrota para o Coritiba foi duro para o Bangu. No ano seguinte, veio a disputa da Libertadores. “Foi uma piada. Não se prepararam para nada. Não tinham ideia da altitude em Quito. Mas tem também uma ressaca, uma revolta, com o Romualdo Filho”, explica Molinari, trazendo à cena o árbitro da decisão de 1985.

Um gol de Marinho, anulado aos 38 do segundo tempo, foi o estopim da indignação. O bandeirinha validou o gol. Romualdo marcou impedimento. O jogo terminaria empatado por 1 a 1 e o Coxa conquistaria o caneco nos pênaltis.

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Marinho em chamas, mas gol seria anulado. Foto: Acervo Bangu A. C./Carlos Molinari

“Se fala de muita coisa, de que o Romualdo teria pedido o dinheiro de um apartamento para o Castor antes do jogo, que não teria dado, porque considerava o Bangu muito superior. Mas pode não ser verdade. Do jeito que o Castor era, ele subornaria. Conta-se que subornou goleiros adversários. Não sabemos. Mas são histórias estranhas”, prossegue o historiador.

Castor continuaria no Bangu até 1993. Mas, aos poucos, perceberia que nem o dinheiro do bicho garantia títulos. Também em 1985, viu outra polêmica com a arbitragem na final do Carioca contra o Fluminense, com um pênalti não marcado por José Roberto Wright.

“Parecia haver um complô da arbitragem, não contra o Bangu, mas contra o Castor. Por causa de um jogo feminino em 83, em que os seguranças dele invadem o campo e surram o árbitro”, ressalta Molinari.

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Bangu saiu atrás do placar e buscou o empate. Foto: Acervo Bangu A. C./Carlos Molinari

Desiludido, Castor passaria a focar na vencedora Mocidade, diminuindo os investimentos no Bangu. No rebaixamento do clube em 1988, estava preso. “As situações passaram a ser surreais. Os jogadores iam na carceragem antes dos jogos, para ganhar bicho, pedir benção”, prossegue.

Quarenta anos depois, em 2025, o Bangu foi rebaixado no Campeonato Carioca e, agora, luta para subir novamente. Está na semifinal da Série A2. Quem visitar a sede do clube, fará uma viagem no tempo.

“É a mesma estrutura. O Estádio [Moça Bonita] idêntico ao que foi construído em 1947. Ficou vinte anos sem refletor, gramado ruim. É um clube de subúrbio que não sobrevive mais”, completa o historiador.

De bicheiro violento a cartola boa praça: Castor usou Bangu para limpar imagem

Filho de ex-pecuarista, Castor de Andrade estudou nos melhores colégios do Rio de Janeiro e frequentou a prestigiada Faculdade Nacional de Direito.

O pai, Eusébio de Andrade, havia sido presidente do Bangu de 1963 a 68. Já a mãe, Dona Carmem, tinha a família ligada ao jogo do bicho. “E o Castor acaba se interessando pelo ramo da avó, da mãe, e começa a desenvolver negócios nessa direção”, explica Molinari.

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Castor ao lado do craque Marinho. Foto: Acervo Bangu A. C./Carlos Molinari

Por causa das atividades como bicheiro, Castor encara uma série de problemas com a Justiça e vira figurinha carimbada nas páginas policiais. A divisão territorial do jogo do bicho na capital carioca torna-se extremamente violenta e termina em mortes.

“O que ele fez para mudar isso? Foi ser um benfeitor. Primeiro, na Mocidade Independente de Padre Miguel, sendo campeão do Carnaval de 1979. E, em 1980, ele vai colar no Bangu de volta”, prossegue.

A partir daí, o bicheiro passa a frequentar o noticiário cultural e esportivo. Se apresenta como uma figura alegre e carismática, que dá entrevistas para a Globo e frequenta o jet set do Rio de Janeiro, junto da elite carioca.

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Castor acabaria desiludido com o futebol. Foto: Acervo Bangu A. C./Carlos Molinari

“Ele começa a investir no Bangu e vê que funciona. Tinha bom tino, achava jogadores baratos em times menores. Montava boas equipes com o dinheiro interminável do jogo do bicho. O grande atrativo do Bangu era que o dinheiro não acabava”, afirma Molinari.

Ainda hoje, nos bairros do subúrbio carioca, a imagem de Castor segue pintada nos muros. “Eles não imaginavam chegar nessa final contra o Coritiba. Não tinham a pretensão. Queriam ser campeões cariocas”, completa.

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