Guerra na Ucrânia

Wimbledon passou do ponto

O russo Andrei Rublev já chegou a escrever “No war please” em uma câmera em torneio realizado logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia.

A invasão da Ucrânia continua a todo vapor, com as tropas russas cometendo barbaridades por onde passam e sem que Vladimir Putin tenha a menor intenção de recuar. O autocrata russo quer ter algo importante para exibir em 9 de maio, quando os russos comemoram a rendição nazista em 1945; como um de seus argumentos para a invasão é o de que a Ucrânia é governada por “neonazistas”, o paralelo é inevitável, do tipo “derrotamos os nazistas na Segunda Guerra, derrotamos os neonazistas agora”. E, à medida que a campanha militar russa se intensifica, as sanções no mundo do esporte também.

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Algumas fazem todo o sentido, como a remoção de eventos que estavam previstos para ocorrer na Rússia. A Federação Internacional de Patinação removeu a Rostelecom Cup do seu calendário; a competição pode até ocorrer, mas não contará para o Grand Prix da patinação artística. A Federação Internacional de Esportes Universitários não realizará mais a Universíada (vá lá, o nome oficial é Fisu Games, mas o nome antigo é bem melhor) de 2023 em Iekaterineburgo. Mas a organização de Wimbledon passou do ponto ao simplesmente proibir os tenistas da Rússia e da Belarus de competir, mesmo que sob bandeira neutra. Com isso, atletas top 10 como Daniil Medvedev, Andrei Rublev e Aryna Sabalenka ficarão de fora do Grand Slam britânico. O ministro dos Esportes do Reino Unido, Nigel Huddleston, chegou a sugerir que os atletas russos deveriam se manifestar explicitamente contra a invasão, ignorando a possibilidade de represálias do governo russo contra familiares, especialmente no caso de atletas menos conhecidos – Rublev e Medvedev já fizeram apelos por paz, mas eles são estrelas e o Kremlin pensaria muitas vezes antes de fazer qualquer coisa em retaliação.

A decisão dos organizadores de Wimbledon foi criticada por vários outros tenistas, ex-atletas e até mesmo as duas entidades de jogadores, a ATP (responsável pelo circuito masculino) e a WTA (que organiza o circuito feminino), cujo presidente já lembrou que nunca na história da modalidade um atleta foi proibido de competir devido a ações de seu governo. De fato, o mundo do tênis não chegou a vetar nem mesmo os sul-africanos durante o Apartheid, com a proibição se aplicando apenas às competições por equipes, como a Taça Davis – um sul-africano chegou a vencer duas vezes o Australian Open durante a vigência do regime de segregação racial.

A organização de Wimbledon exagerou ao simplesmente proibir os tenistas da Rússia e da Belarus de competir, mesmo que sob bandeira neutra

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A imprensa britânica apurou que a decisão dos responsáveis por Wimbledon tem uma motivação especial. Quem entrega os troféus aos vencedores, tanto no masculino quanto no feminino, é Kate Middleton, a Duquesa de Cambridge. Havia o temor de que, no caso de vitória russa em qualquer das chaves, a foto de um membro da família real premiando um atleta russo pudesse ser usada por Putin como ferramenta de propaganda. Convenhamos, isso é aquilo que se chama, em lógica, de non sequitur, uma conclusão que não deriva das premissas. Se um atleta russo vencesse (e, muito provavelmente no caso masculino, descartada uma zebra, seria um atleta que critica a invasão) e recebesse o troféu das mãos de Kate Middleton, disso não se poderia depreender nenhuma espécie de apoio, promoção ou endosso às ações do governo russo. Ainda que Putin pretendesse fazer essa associação, seria preciso alguém ser muito tapado ou ideologicamente cego para cair nessa.

Menos mal que os organizadores do Grand Slam anterior, o de Roland Garros, já tenham avisado que russos e bielo-russos não serão banidos, apenas competirão sob bandeira neutra. O que, no fim das contas, é o melhor a fazer. Nada de equipes representando a Rússia, nem de eventos no país, muito menos de palhaçadas como “Atletas Olímpicos da Rússia” ou, pior ainda, “Comitê Olímpico Russo”; apenas atletas individuais, sem nenhuma identificação que remeta à Rússia – como deveria ser ao menos desde 2018.

A versão original da coluna afirmava que Roland Garros ocorreria depois de Wimbledon, quando na verdade ocorre antes.

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