Rússia e Belarus

Thomas Bach se enfiou num buraco e não sabe como sair dele

O presidente do COI, Thomas Bach (à esquerda), e o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol (ao centro), cumprimentam participantes da Assembleia Geral da Anoc, em Seul.

O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas
Bach, discursou nesta quarta-feira, dia 19, durante a Assembleia Geral da
Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais (Anoc), em Seul, na Coreia do Sul. Boa
parte de sua fala girou em torno da situação dos atletas russos e bielo-russos,
que seguem impedidos de competir em praticamente todas as modalidades. As
palavras de Bach, no entanto, me deixaram com a impressão de que a coisa
escapou completamente do seu controle e que o COI já não tem muita ideia do que
fazer para restaurar alguma normalidade à situação.

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Houve uma certa insatisfação entre alguns dos comitês olímpicos
nacionais (CONs) – especialmente o da Dinamarca, que acabou deixando o evento –
a respeito da participação das entidades russa e bielo-russa. A questão é que
nenhum dos dois CONs chegou a ser suspenso pelo COI por causa do ataque à
Ucrânia, e por isso, teoricamente, poderiam participar do evento da Anoc; de início,
suas mesas nem tinham as bandeirinhas nacionais, que foram colocadas
posteriormente. E, por mais que eu considere a invasão russa uma barbaridade, e
por mais que o presidente do Comitê Olímpico Russo seja um fanboy do
Putin a ponto de dizer que os atletas russos deveriam ter orgulho de ir lutar
na Ucrânia caso fossem convocados, acho que não suspender os comitês nacionais neste
caso é a decisão certa. Eles deveriam ser suspensos apenas por questões ligadas
ao esporte ou à gestão esportiva, como ingerência governamental ou…
megaesquemas de doping (então sim, a Rússia deveria estar suspensa, mas não por
causa da guerra
).

O problema é que, enquanto as entidades esportivas continuam gozando integralmente de seus direitos dentro do Movimento Olímpico, os atletas estão ferrados, proibidos de participar de competições por orientação do próprio COI! E a explicação que Bach deu para isso em seu discurso é surreal. Segundo ele, havia grande possibilidade de os governos que estão impondo sanções à Rússia e à Belarus impedirem a participação de atletas desses países em competições, “minando nossa autonomia ao decidir quem teria permissão para participar”; outra ameaça era a de que atletas se recusassem a jogar contra russos e bielo-russos, em um boicote semelhante ao que Israel costuma sofrer. Diante disso, para “proteger os atletas” (!!!), o COI mesmo tomou a iniciativa e pediu às federações internacionais que banissem russos e bielo-russos.

Enquanto os comitês de Rússia e Belarus continuam gozando integralmente de seus direitos dentro do Movimento Olímpico, os atletas estão ferrados, proibidos de participar de competições por orientação do próprio COI

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Então, deixa ver se eu entendi bem: diante do risco de um
determinado país ocidental impedir que atletas russos e bielo-russos participassem
de competições realizadas em seu território (o que estaria errado e seria uma
violação da Carta Olímpica), ou de que houvesse competidores dando WO contra
russos e bielo-russos, o COI, em vez de deixar claro que puniria os
boicotadores ou o país que eventualmente barrasse atletas, resolveu barrar os
atletas ele mesmo. Que sentido faz uma coisa dessas? E que sentido faz, depois
disso, vir a público dizer que “essa guerra não foi iniciada pelo povo russo,
pelos atletas russos, pelo Comitê Olímpico Russo ou pelos membros russos do COI”
e que “sanções podem e deveriam ser impostas apenas sobre os que são
responsáveis por algo”? Não são justamente os atletas que estão pagando o pato
por decisão do próprio COI?

E, no fim, depois de dizer que os atletas russos e bielo-russos não têm culpa de nada, que não deveriam sofrer as consequências, Bach exorta o Movimento Olímpico a “seguir as sanções e medidas protetivas”, ou seja, continuar impedindo os atletas de competir. Isso é contraditório. Em vez de garantir que os demais países não impeçam a participação dos russos e bielo-russos (com bandeira neutra, em competições individuais), o COI se torna o principal patrocinador de uma discriminação que prejudica apenas aqueles que Bach diz querer proteger, deixando-os sem ritmo de competição e reduzindo suas chances de ir a Paris. Como eu venho afirmando, o COI não foi duro quando tinha de ser (no caso do megaesquema russo de doping), e pesou demais a mão quando não devia; se o “dilema” agora é “insolúvel”, como afirmou Bach, isso é responsabilidade, em boa parte, do próprio COI.

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