Caso Peng Shuai

O teatro continua

Thomas Bach (de azul) conversa com atletas alemães durante final do big air feminino; na mesma ocasião, ele encontrou a tenista Peng Shuai.

Estava eu lá vendo a final do big air feminino, torcendo
para a francesa que eu havia colocado no meu time de fantasy, e quem eu vejo?
Thomas Bach, o presidente do COI, e a tenista Peng Shuai, conversando
sorridentes. Podemos, então, concluir que está tudo bem, que Peng está livre,
em segurança, que não corre risco algum depois de ter denunciado o abuso sexual
cometido por um figurão do Partido Comunista Chinês? Ou devemos acreditar que o
teatrinho iniciado com a tal videoconferência meses atrás continua correndo
solto, com ou sem a conivência de Bach?

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Para que os ingênuos não tenham mais dúvida alguma, Peng deu entrevista ao jornal francês L’Equipe já durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, dizendo, basicamente, que não fez o que fez. Lembra do caso? Em novembro do ano passado, Peng narrou na rede social chinesa Weibo o abuso que sofrera em 2018 nas mãos do ex-vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli. A publicação de Peng sumiu minutos depois, e ela passou várias semanas sem dar sinal de vida até reaparecer em um torneio de tênis na capital chinesa. Mas, ao jornal francês, ela negou tudo, acusação e desaparecimento. “Agressão sexual? Eu nunca disse que alguém tinha me assediado sexualmente. Eu apaguei a mensagem porque quis”, disse Peng, acrescentando que jamais deixou de manter contato com amigos próximos e até mesmo com pessoas do COI.

Bem, o que ela escreveu está escrito, como diria Pôncio Pilatos, e o print é eterno (como diriam Clarice Lispector, Verissimo ou Arnaldo Jabor, dependendo de quem faz o meme). Mas estou longe de crucificar Peng. Ela é uma vítima que pisou no calo de um regime completamente cruel e inescrupuloso, e vai pagar por isso a vida toda. A verdade só apareceria se um dia Peng se visse em solo livre, certa de não estar sendo monitorada ou ameaçada, e de poder falar tudo sem colocar em risco outras pessoas que lhe são caras, como família e amigos na China. Mas creio que esse dia jamais chegará. Ela não tem escolha – mas Thomas Bach tem, e esta é a minha grande dúvida. Ele realmente acredita que Peng está bem? Ele “quer acreditar”, como um agente Mulder do esporte? Ou apenas finge acreditar – e, se finge, por que o faz?

De qualquer maneira, o COI tem mais a investigar na China
além da situação de Peng. Atletas e comissões técnicas estão furiosos com as
condições em que são mantidos aqueles que testam positivo para Covid. O técnico
da seleção finlandesa de hóquei afirmou que um de seus atletas, isolado por 18
dias (ou seja, muito mais que qualquer protocolo atual para a doença), não
estava recebendo alimentação decente. Natalia Maliszewska, polonesa do short track, afirmou que
testes com diferentes resultados fizeram com que ela fosse isolada, liberada e
isolada novamente, ficando fora de uma prova. Alemães e russos também
reclamaram. A belga Kim Meylemans, do skeleton, publicou um vídeo no Instagram
contando que ela acreditava estar sendo levada à Vila Olímpica apenas para
descobrir que estava a caminho de outro local de quarentena.

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Já há quem levante a hipótese de os testes estarem sendo
usados para convenientemente tirar do páreo alguns atletas – Maliszewska, por
exemplo, já foi medalhista em campeonato mundial em um esporte no qual os
chineses esperavam vitórias. Quem também ficou de fora foi a saltadora de esqui
austríaca Marita Kramer, atual líder da Copa do Mundo (embora neste caso os
chineses não tivessem nada a ganhar com isso, pois não têm tradição na
modalidade). No insidethegames, Michael Pavitt afirmou
que, se por um lado há casos evidentes de infecção e que realmente requerem
isolamento, a
organização tem falhado nas situações limítrofes
, em que, mesmo
contaminado, um atleta oferece pouco ou nenhum risco aos demais. A falta de
critérios claros, neste caso, está destruindo a experiência olímpica para
vários atletas.

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