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Papo Olímpico
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Opinião

Olimpices aleatórias de encerramento

Por
Marcio Antonio Campos
08/08/2021 12:49 - Atualizado: 04/10/2023 17:37
O italiano Gianmarco Tamberi (de azul) e o catari Mutaz Essa Barshim (de cor vinho) se abraçam depois de concordarem em dividir o ouro do salto em altura nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
O italiano Gianmarco Tamberi (de azul) e o catari Mutaz Essa Barshim (de cor vinho) se abraçam depois de concordarem em dividir o ouro do salto em altura nos Jogos Olímpicos de Tóquio. | Foto: EFE/EPA/Ciro Fusco

Uma das minhas cerimônias de abertura favoritas é a de Londres.
Eles souberam usar muito bem os seus ícones culturais, jamais haverá uma
entrada de chefe de Estado como aquela, e a cerimônia aproveitou bem o humor do
qual sou fã. Senti falta do Monty Python, mas no encerramento, quando Eric Idle
apareceu para cantar Always look at the bright side of life, fez
sentido. Os Jogos acabaram, que droga, mas vamos olhar pelo lado bom, foi
bacana, nos divertimos e daqui a quatro anos tem de novo. Tóquio acaba com um
pouco disso também. Os Jogos acabaram, que droga, mas pelo menos eles
aconteceram, deu tudo certo na medida do possível, a Vila Olímpica não virou
covidário, tem um sentimento de alívio no ar. E faltam só três anos pra Paris.

Espírito olímpico

Toda edição dos Jogos tem suas cenas bonitas, e uma das campeãs de Tóquio é a dos amigos que dividiram o ouro no salto em altura: o italiano Gianmarco Tamberi e o catari Mutaz Barshim. A essa altura, todo mundo já sabe da história, de como Barshim ajudou o amigo a não desistir do atletismo anos atrás, e tudo o mais. Lendo a coluna do Marcelo Laguna no Olimpíada Todo Dia, descobri que por aqui houve quem condenasse a atitude dos dois. Segundo Laguna, chamaram o episódio de “vergonha”, “piegas” e “falta de espírito esportivo”. Vergonha eu tenho de quem pensa assim e não sabe que os Jogos Olímpicos não são apenas sobre triunfar sobre o adversário; são muito mais que isso, são uma celebração do melhor que o espírito humano é capaz de realizar por meio do esporte, e esse “melhor” não se resume à excelência atlética.

Ambos tiveram exatamente o mesmo resultado: erraram as três tentativas a que tinham direito para 2,39 metros, mas tinham acertado todas as outras. Podiam continuar competindo, em um desempate ad hoc? Podiam. Podiam parar e dividir o ouro? Podiam também. Escolheram a segunda possibilidade, e nos deram uma lição sobre espírito olímpico. Os americanos tinham a obrigação de emprestar armas aos brasileiros em 1920? Não tinham. Se roubaram as nossas, problema nosso. Mas eles emprestaram, e fomos medalhistas com elas, superando inclusive atiradores dos Estados Unidos. Um técnico norueguês tinha obrigação de dar um bastão novo à canadense Sara Renner quando um dos bastões dela quebrou durante a final do sprint por equipes do esqui cross-country em Turim-2006? Não tinha. O bastão quebrou, azar dela, e devia haver gente da equipe canadense por perto pra ajudar. Mas Bjørnar Håkensmoen deu o bastão, Renner e sua companheira Beckie Scott ficaram com a prata e deixaram a Noruega sem medalha, em quarto lugar. Isso também faz parte dos Jogos Olímpicos.

Os Jogos Olímpicos não são apenas sobre triunfar sobre o adversário; são muito mais que isso, são uma celebração do melhor que o espírito humano é capaz de realizar por meio do esporte, e esse “melhor” não se resume à excelência atlética

Talvez depois disso mudem as regras
para impedir esse tipo de empate. Se isso acontecer, sempre restará a amigos
como Tamberi e Barshim a possibilidade de imitar Shuhei Nishida e Sueo Oe, os
japoneses que também empataram no segundo lugar do salto com vara em Berlim-1936.
Na época ainda não havia o critério de desempate do menor número de erros, que
teria beneficiado Oe; os atletas recusaram-se a seguir saltando para definir o
segundo e terceiro lugares, mas foram forçados a escolher um deles para ganhar
a prata e outro para levar o bronze. De volta ao Japão, procuraram um ourives,
dividiram as medalhas ao meio e as refundiram, agora com uma metade de prata e
outra de bronze. Hoje mais pessoas se lembram deles que do campeão daquela
competição (foi o americano Earle Meadows).

Espírito nada olímpico

Receber uma medalha de ouro com o
agasalho amarrado na cintura já é, por si só, feio de doer. Mas não foi apenas
a falta de senso estético que fez nossa seleção de futebol subir ao pódio em
Tóquio desse jeito. Foi egoísmo, babaquice, mesquinharia, falta de noção, coisa
de quem não se vê como parte do time (como disse o Bruno Fratus no Twitter),
tudo por causa de patrocínio.

Cada delegação tem um agasalho de pódio que precisa usar quando seus atletas conquistam medalhas. Existe protocolo para isso (o agasalho precisa estar fechado, por exemplo). Os do Time Brasil são produzidos pela Peak, que assinou contrato e investiu no esporte olímpico brasileiro esperando aparecer nos nossos momentos de glória. Já os uniformes de jogo da seleção de futebol são da Nike (e eu já não gosto deles por trazerem uma versão bem malfeita da logomarca do Time Brasil, sem os anéis olímpicos e o “Brasil” escrito); equipes e atletas de outros esportes também usam o fornecedor da sua confederação, como a Asics para o vôlei. No pódio, entretanto, o que tem de ser usado é o agasalho da delegação. Isso não deveria ser problema – as americanas do vôlei usam Adidas nas camisas de jogo, mas receberam seu ouro com agasalho da Nike. Os espanhóis, derrotados pelo Brasil no futebol, também usam Adidas em campo, mas seus agasalhos de pódio são da Joma.

+ Veja como ficou o quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos de Tóquio

Sempre foi assim, mas por algum motivo idiota os brasileiros do futebol quiseram fazer diferente – como em 1996, quando insistiram em receber a medalha de bronze logo depois da partida, em vez de esperar a final e o pódio. E isso que o COI já havia feito uma concessão ao concordar em deixar 22 jogadores subirem ao pódio, em vez de 18. Os voluntários até advertiram os brasileiros, pediram que eles vestissem o agasalho, mas foram ignorados. Acho que a organização poderia ter sido mais firme, dizendo que a cerimônia só ocorreria com o respeito ao protocolo, mas infelizmente isso não ocorreu.

Resultado? Está criado um problemão entre a Peak e o Comitê Olímpico do Brasil, que pode dar até processo, por causa do egoísmo de quem quer que tenha decidido boicotar o agasalho. Diz o Cosme Rimoli que a ordem veio da CBF. Não duvido. A Nike mesmo sabe como as coisas funcionam nos Jogos Olímpicos. Ela fez nossos agasalhos de pódio em 2012 e 2016, que foram religiosamente usados pelos atletas brasileiros ao receber suas medalhas, independentemente da marca que vestiram na hora de competir. Os skatistas brasileiros em Tóquio usaram Nike na pista e Peak no pódio normalmente.

Depois ficam todos comovidos com a cartinha do Richarlison falando da importância de termos investimento em outras modalidades. Mas que tal começar respeitando o que foi acertado com quem se dispôs a apoiar o esporte olímpico brasileiro?

Falando em protocolo

Está na hora de parar com a
execução dos hinos nacionais antes de todas as partidas de alguns esportes
coletivos. Com exceção das cerimônias de boas-vindas das delegações na Vila
Olímpica, se você quer ouvir o hino do seu país nos Jogos Olímpicos, vá lá e
ganhe uma medalha de ouro.

Parte da alma dos Jogos não estavalá

Eu ainda acho que daria para terem admitido público sob certas condições – vacinados, com teste PCR negativo feito recentemente –, mas decidiram fazer sem torcida nenhuma, paciência. Em alguns locais fechados de competição, os membros das delegações tentaram compensar, comparecendo em maior número e fazendo barulho. Mas em outros locais, como o Estádio Olímpico e a arena do vôlei de praia, aquela imensidão de cadeiras vazias era de cortar o coração. Eu posso não ser fã do Baile de Favela, mas imagino que a arena da ginástica teria ido abaixo se houvesse público durante as apresentações da Rebeca Andrade.

Então, minha humilde sugestão para
as federações internacionais de todas as modalidades: nos casos em que as
instalações olímpicas são definitivas, não temporárias, peguem seus próximos campeonatos
mundiais que ainda não tenham tido sede definida, e os realizem em Tóquio. Deem
aos japoneses e aos estrangeiros a chance de encherem os locais que ficaram
vazios em 2021, de ver atletas de ponta, de torcer por eles. Claro que não será
a mesma coisa, Tóquio-2020 não volta mais; mas ao menos será uma retribuição a
quem teve de fazer o sacrifício de receber os Jogos em sua casa e não poder
participar da festa.

Por mais surpresas boas e menosderrotas doídas em Paris

Toda edição dos Jogos tem sua dose
de derrotas doídas. Eu lembro bem, por exemplo, das quartas-de-final do
handebol feminino de Londres (volta, Morten!). Não falo de derrotas que nos
deixam indignados (vôlei masculino, é com vocês), mas daquelas que só podemos lamentar
mesmo. A Maria Portela, garfada na arbitragem. O Hugo Calderano, que dominou o
alemão no começo das quartas-de-final, mas não conseguiu matar a partida. A
Nathalie Moellhausen, que poderia ter ido tão longe, mas deu azar no sorteio,
pegou uma adversária fortíssima logo de cara e perdeu no detalhe, depois de ter
recuperado na pura garra uma desvantagem no fim do combate.

Em compensação, além de favoritismos
que se confirmaram, tivemos boas surpresas, como a sensacional história de
Luísa Stefani e Laura Pigossi, a dupla que entrou nos Jogos de última hora e
que nem o mais otimista dos torcedores imaginaria como medalhista. Hebert
Conceição na final não era exatamente surpresa, mas o nocaute que fez cair o
disjuntor do ucraniano quando parecia que ele tinha a vitória encaminhada sim –
havia décadas que uma final olímpica no boxe não era definida por nocaute. Marcus
D’Almeida eliminou arqueiros bem melhor ranqueados antes de cair diante do futuro
vice-campeão olímpico. Daniel Cargnin derrubou o italiano número 1 do mundo no
caminho para o bronze. Mesmo o vôlei feminino, que nunca entra como azarão nos
Jogos, não era cotado para fazer a final. Que, no fim, essas lembranças de
Tóquio sejam mais duradouras que as das derrotas – e que Paris seja mais generosa
conosco.

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