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Papo Olímpico
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Rosário-2022

A base vem forte

Por
Marcio Antonio Campos
23/05/2022 19:38 - Atualizado: 04/10/2023 16:42
A nadadora Stephanie Balduccini ganhou 11 medalhas (oito ouros) nas 13 provas que disputou em Rosário.
A nadadora Stephanie Balduccini ganhou 11 medalhas (oito ouros) nas 13 provas que disputou em Rosário. | Foto: Beto Noval/COB

O Time Brasil veio, viu e venceu. Havia projetado o primeiro
lugar no quadro de medalhas dos Jogos Sul-Americanos da Juventude de 2022, que
terminaram no começo deste mês em Rosário, na Argentina, e conseguiu o objetivo
com bastante folga, até: 64 ouros, 40 pratas e 43 bronzes, bem acima dos 35
ouros da Colômbia, que veio na sequência. Os 147 pódios foram uma ligeira
redução na comparação com a edição anterior, Santiago-2017, quando o Brasil levou
151 medalhas; em compensação, ganhamos três ouros a mais que cinco anos atrás. “Nós
só planejamos o primeiro lugar, mas não um número certo de medalhas, como se
costuma fazer. A pandemia atrapalhou muito, eventos foram cancelados,
treinamentos foram suspensos. Quase metade da delegação viajou sem experiência
alguma em provas internacionais; então, mesmo sabendo do talento do nosso time,
não tínhamos como projetar o nível dos nossos atletas em comparação com outros
países”, explica Kenji Saito, diretor de Desenvolvimento Esportivo do Comitê
Olímpico do Brasil e chefe de missão da delegação brasileira em Rosário, que
conversou com o Papo Olímpico.

Saito ressalta uma série de aspectos positivos da participação brasileira, que, apesar da inexperiência de boa parte da delegação, levou medalhas em 24 das 26 modalidades de que participou; o ouro veio em 17 modalidades, cinco a mais que em Santiago. Guardadas as devidas proporções, é exatamente o que vem acontecendo com a participação brasileira nos Jogos Olímpicos, em que começamos a conquistar ouros e pódios em esportes diferentes daqueles em que a torcida havia se acostumado a ver brasileiros conquistando medalhas. Saito ainda diz que os resultados brasileiros não apenas em Rosário, mas no Pan Júnior de Cali-Valle, ano passado, quando o Brasil também terminou no topo do quadro de medalhas, mostram os frutos dos Jogos da Juventude, aquela competição anual promovida pelo COB e que muitos de nós conhecíamos como Jogos Escolares da Juventude. “Dos nossos 230 atletas em Rosário, 69 despontaram nos Jogos da Juventude. Essa proporção foi ainda maior em Cali-Valle, era de 70%. E, para termos uma ideia do papel da competição para descobrirmos atletas de ponta, 27% da nossa delegação em Tóquio passou pelos Jogos da Juventude ou pelos Jogos Escolares”, afirma o chefe de missão.

A grande maioria dos destaques de Rosário, se permanecer no esporte de alto rendimento, só vai fazer um barulho maior em Los Angeles ou Brisbane, e não agora, em Paris

Mas e agora? O que o sucesso do país em Rosário e em Cali
nos diz sobre as perspectivas futuras? Aqui, uma anedota. Lembro muito bem de
uma manhã de julho de 2007: estava eu na arquibancada do Maria Lenk vendo a
natação do Pan quando escuto alguém atrás de mim dizendo: “está todo mundo
falando do Thiago [Pereira, que ganhou seis ouros naquele Pan], mas, se algum
brasileiro tem chance de ganhar alguma coisa em Pequim, é esse aí” – no caso, “esse
aí” era César Cielo, que acabara de conquistar o ouro nos 50 metros livre. A
moral da história é conhecida de quem acompanha esporte olímpico faz mais tempo:
chuvas de medalhas em competições regionais não necessariamente se repetem em
Jogos Olímpicos (justiça seja feita, o quarto lugar do Thiago nos 200 medley de
Pequim não foi demérito algum, considerando quem estava no pódio). Mas também
não dá pra cair no outro extremo e achar que todos os nossos medalhistas de Pans
e Sul-Americanos só têm gás para essas competições; afinal, em 2012 o mesmo
Thiago ganhou aquela prata sensacional deixando Michael Phelps para trás, não
foi?

Então, para mantermos as expectativas em um nível realista, Saito faz um aviso: estamos falando de adolescentes de 14 a 18 anos; a grande maioria dessa turma só vai fazer um barulho maior em Los Angeles ou Brisbane, e não agora, em Paris. “Em muitas modalidades o processo de desenvolvimento leva de cinco a dez anos até se atingir o ápice”, afirma. Sim, temos talentos como Stephanie Balduccini, que foi a Tóquio com 16 anos, passou o rodo em Cali-Valle (sete ouros em sete provas) e Rosário (oito ouros, uma prata e dois bronzes em 13 provas), e já tem índice para o mundial adulto de natação no mês que vem, em Budapeste. Mas ela é exceção, assim como Giulia Takahashi, também citada por Saito como exemplo de atleta com grande evolução e que já vai ganhando experiência internacional – ela esteve em Tóquio como reserva na seleção que ainda contava com sua irmã Bruna, hoje uma das 20 melhores mesatenistas do mundo.

E, justamente porque estamos falando de adolescentes de 14 a
18 anos, sabemos muito bem que a vida levará muitos deles para outros caminhos,
que não o esporte de alto rendimento; para esses, Rosario-2022 e Cali/Valle-2021
serão sempre o seu grande momento, uma memória inesquecível. Mas, para quem
seguir competindo, Saito garante que o COB está preparado, em parceria com as
confederações, para dar a esses jovens as condições de atingirem todo o seu
potencial. “Temos uma área de desenvolvimento de jovens promessas, um Centro de
Avaliação e Monitoramento. Assim que alguém começa a se destacar, acompanhamos
a sua trajetória, sabemos quem está dando sequência aos treinamentos. Sem esse
tipo de apoio é impossível chegar ao alto rendimento”, explica.

E esse apoio inclui dois aspectos que eu acho especialmente importantes no caso de adolescentes e jovens. Lembram da polêmica em cima dos métodos de treinamento da russa Eteri Tutberidze, que deram o que falar antes e durante os Jogos de Inverno de Pequim, por conseguir resultados extraordinários à custa de uma “vida útil” encurtada das patinadoras? “Cada modalidade tem suas particularidades, mas faz parte da nossa filosofia, na área de Saúde do COB, respeitar as fases da vida do atleta e as limitações do corpo de cada um, ainda mais num estágio como a adolescência”, afirma Saito. E o outro item, que tem tudo para ganhar cada vez mais importância, é a relação com as mídias sociais – e aqui recordo outro caso emblemático, o do caminhão de ofensas recebido por Arthur Nory em Tóquio. “Tivemos um evento com os atletas, antes do embarque, em que tratamos do comportamento em mídias sociais, entre outros temas, e demos suporte psicológico para não deixar esse mundo afetar a preparação mental dos competidores. Quanto mais cedo tivermos atenção pra isso, melhor”, diz o chefe de missão. De fato: hoje a maioria desses jovens atletas é desconhecida do público, mas, à medida que alguns deles começarem a se destacar e ganhar visibilidade, vão atrair também o pior das mídias sociais. Se souberem lidar com isso desde já, não deixarão cornetagens e cancelamentos afetar seu desempenho esportivo.

Então, torcedor, pode anotar aí que a base vem forte, sim, mas tenhamos consciência de que ainda há um bom caminho a trilhar. Vamos seguir acompanhando e apoiando nossos jovens atletas, até para sabermos bem o que podemos esperar. Como afirma a Gazeta do Povo nas suas convicções, ainda que nem todos sejam campeões olímpicos um dia, o importante é que cada um se torne o melhor que puder ser, no esporte e na vida.

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