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Atleta naturalizado: liberdade ou artificialismo?

Por
Marcio Antonio Campos
31/07/2021 01:40 - Atualizado: 04/10/2023 17:54
Leal, da seleção brasileira de vôlei masculino, é cubano de nascimento e se naturalizou em 2015.
Leal, da seleção brasileira de vôlei masculino, é cubano de nascimento e se naturalizou em 2015. | Foto: Miguel Gutiérrez/EFE

Hugo Calderano audaciosamente foi aonde nenhum mesatenista nascido
no continente americano jamais esteve: as quartas-de-final do torneio olímpico masculino
de tênis de mesa. Infelizmente, Calderano parou no alemão Dimitri Ovtcharov, em
uma dessas derrotas que doem também no torcedor, já que o brasileiro mostrou
ter muita bolinha para vencer, mas não soube responder à altura quando o adversário
virou a maré. Essa coluna, no entanto, não é sobre o nosso mesatenista, que
mesmo sem medalha nos orgulhou em Tóquio; é mais sobre alguns dos seus
adversários.

Vi Calderano jogar em 2016, no Rio; comprei ingresso para uma das sessões, ainda na segunda rodada. Entre todos os outros mesatenistas que disputaram partidas naquela ocasião, contei três chineses – nenhum representando a China: um jogava pelo Canadá, outro pelo Catar, e um outro pela Turquia. No torneio masculino de Tóquio, mesatenistas de origem chinesa representaram a Eslováquia e a Ucrânia; no feminino, havia atletas nascidas na China representando Alemanha, Canadá, Luxemburgo, Polônia, Mônaco, Estados Unidos, Portugal, Áustria, França e Austrália.

Os mesatenistas da China são os primeiros que nos vêm à cabeça, tamanho é o talento do país na modalidade, mas não é o único caso no esporte olímpico; nós exportamos jogadores de vôlei de praia, por exemplo. E há os países que são grandes importadores. O Catar foi vice-campeão no Mundial de handebol de 2015 naturalizando 13 dos 17 membros do time, e pode conquistar a primeira medalha de ouro olímpica de sua história com a dupla de vôlei de praia Cherif e Ahmed, nascidos respectivamente no Senegal e em Gâmbia. Antes do Rio-2016, o Brasil também andou trazendo atletas de fora – 5% da delegação não havia nascido aqui. A seleção masculina de hóquei na grama tinha três holandeses, um argentino, um australiano e um inglês. A de polo aquático, um cubano, um espanhol, um italiano, um croata e um sérvio.

Cada um tem o direito de buscar as melhores condições para se tornar um atleta excelente; se elas estão em outro país, que seja

Para o jogador é um bom negócio. Imagine-se como o 20.º
melhor mesatenista da China. Você jamais conseguirá representar o seu país numa
competição grande, mas ainda é melhor que todos os mesatenistas de 90% dos
países do mundo. Com um novo passaporte, ficam abertas as portas para
campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos. O país que exporta também ganha algo:
não chega a perder os principais talentos, e ainda espalha um pouco de soft
power
mundo afora. O país que importa o jogador passa a ter a chance de
beliscar uma medalhinha, ou ao menos um desempenho inédito.

E aí perguntamos: pode isso? Não do ponto de vista legal,
mas do ponto de vista moral mesmo.

Não vejo como questionar uma naturalização onde já existe uma relação prévia com o “novo” país, seja familiar – Rodrigo Pessoa nasceu na França; Nathalie Moellhausen, na Itália; mas ambos são filhos de brasileiros –, seja por já viver há um bom tempo ali. Países que têm grandes comunidades no exterior, principalmente em nações mais desenvolvidas, tentam naturalizar descendentes que se destacam esportivamente: Jessa Khan nasceu no Texas e vive na Califórnia, mas é filha de mãe cambojana, e conquistou um ouro no jiu-jitsu nos Jogos Asiáticos de 2018 competindo pelo Camboja. E nem se fale de gente que foge de ditaduras, guerras e perseguições, como os cubanos que habitualmente desertam quando podem, ou de casos extremos como o do judoca Said Mollaei, que contei aqui dias atrás. Falando em cubanos, aliás, nosso Leal conseguiu autorização da ditadura castrista para jogar em um clube brasileiro, mas precisou cumprir dois anos de quarentena e soube que jamais voltaria a representar a seleção cubana – foi meio que uma “fuga consentida”. Resolveu se tornar brasileiro.

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Mas e quando o atleta cai de paraquedas em um país novo, naturalizando-se
não porque tenha algum laço, não porque esteja fugindo de algo, mas só para
poder disputar competições internacionais de que ele jamais participaria pelo
país natal? Entendo quem torce o nariz. É um progresso artificial. Pode ser
preguiça e avareza dos cartolas – é mais rápido e barato naturalizar um talento
já pronto que cultivar um desde a base. O recém-chegado pode tomar o lugar de
um outro atleta piorzinho, mas que teria lá a chance de realizar um sonho
olímpico. Mas também entendo quem defende a prática. Um naturalizado que vai a
uma competição internacional (e, quem sabe, se destaca nela) pode chamar a
atenção do país para o esporte e incentivar mais pessoas a praticá-lo. A nova casa
pode dar ao recém-chegado possibilidades que ele não teria em seu país natal
para desenvolver o seu talento.

Como defendo a liberdade como regra, até reconheço que as objeções aos “paraquedistas” merecem consideração, mas também acho que cada um tem o direito de buscar as melhores condições para se tornar um atleta excelente; se elas estão em outro país, que seja – a série Flag and Family, do Olympic Channel, conta várias dessas histórias. Como diz o adágio, o abuso não tolhe o uso. As federações esportivas internacionais que encontrem os melhores meios de respeitar essa liberdade sem deixar que a coisa vire farra.

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