Cada vez mais o futebol está presente na cultura do Brasil. Músicos, escritores e acadêmicos tratam dele com gosto e naturalidade. Até pouco tempo atrás isso seria impensável.

José Lins do Rego, escritor, torcedor do Flamengo, homem divertido, dizia que intelectual brasileiro não sabia bater escanteio. Referia-se a essa dificuldade, quase desconforto ou repulsa, que muitos escritores têm pelo futebol e, de certa forma, por todos os esportes.

Alguma coisa entre a nobreza da escrita e a popularidade de correr atrás de uma bola.

Mário de Andrade era entusiasta de futebol.

Queixava-se dos mil compromissos que o impediam de ser assíduo aos estádios. Em seus livros há algumas referências e chegou a referir-se ao famoso centromédio Brandão com inflexão enlevada: “É um ma-ra-vilho-so bailarino !”

Lúcio Rangel acompanhava a distância, ouvindo as transmissões de Ary Barroso, gênio que se dedicou ao futebol através do rádio. Como não frequentava os estádios, mas conhecia o assunto, Rangel explicava: “Sabe duma coisa ? Eu não gosto de futebol, gosto é do Botafogo”.

O gigante da literatura argentina, Jorge Luis Borges, teve uma relação díscola com o esporte. Dizia: “El fútbol es popular porque la estupidez es popular”.

Para ele o futebol desperta as piores paixões. Há uma ideia de supremacia, de poder, de um time sobre o outro, que desperta o ódio e a ira nas pessoas à partir do instante em que um ganha e outro perde. Poucos se encantam com o espetáculo ou com a tarde linda. O que importa é vencer. Profundidade do grande Borges que merece uma reflexão diante das atuais torcidas organizadas.

Nelson Rodrigues e Mário Filho criaram um Fla-Flu rodriguiano. Nelson era um tricolor assumido; Mário um rubro-negro enrustido. Foram os dois irmãos que inventaram boa parte da mística do Fla-Flu e imortalizaram o clássico carioca.

Até pouco, a intelectualidade ignorava o esporte mais popular do mundo, ou fingia que ignorava. Era quase um sinal de status desconhecer o que se passava nos estádios.

Como o significado do futebol é inegável, aos poucos muitos intelectuais foram deixando de ignorar o tema. Mas não é tarefa fácil.

Analisar o futebol implica em trombar de frente com algumas das ambiguidades quase secretas da cultura brasileira.

É preciso abordar o talento dos jogadores sem ser piegas; é fundamental entender que um dos pressupostos básicos da cultura brasileira – dificilmente assumido – é que o subdesenvolvimento do País é produto do despreparo das massas. O Brasil é bom de bola e só. Não dá para aprofundar na abordagem e tentar elaborar ensaios filosóficos sem pisar na bola ou esquentar a cabeça.

A sociologia da miséria e da ignorância do povo é mais simples do que entender os mistérios contidos na rica história do nosso futebol.