O caso: um belo dia, em Moscou, o jogador francês, Lassana Diarra, resolveu dar por rescindido o seu contrato com o Locomotiv, e foi embora. Condenado a pagar uma indenização de 10 milhões de euros aos russos, não pôde mais jogar. O clube que o contratasse seria solidário no pagamento da multa.

Então, Diarra ingressou com uma ação no Tribunal da União Europeia pedindo que fosse declarado ilegal o artigo 17 do Regulamento de Transferência da Fifa, que trata das consequências da rescisão de um contrato de trabalho.

Agora, dez anos depois, o Tribunal Europeu decidiu que a ordem jurídica da Fifa, ao estabelecer uma multa de rescisão acima do valor do contrato, e tornar solidário o clube que contratar o jogador, viola leis da União Europeia. 

A Fifa decidiu não recorrer. Concordou que o seu regulamento precisa ser “humanizado”,  tornando menos rigorosos os impedimentos para o atleta manifestar a sua vontade de escolha.

A grande questão é: qual será a consequência desse caso no Brasil? Já li a conclusão de algumas opiniões de que não haverá nenhuma consequência, porque o “Brasil tem leis próprias”. 

Não é tão simples assim como pensam os “juristas”. 

Em 15 de dezembro de 1995, o mesmo Tribunal de Justiça da União Europeia interviu ao julgar o “caso Jean-Marc Bosman”. Em final de contrato com o Standard de Liège, foi impedido de transferir-se para o Dunkerque por causa de uma multa.

Com base nos artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma, de 25 de março de 1957, o Tribunal Europeu, em Luxemburgo, declarou cláusula não escrita aquela cláusula que impede a livre circulação dos atletas e, em especial (é o que interessa para o caso), a que estabeleça critérios em prejuízo do atleta para rescindir um contrato e jogar por outra associação.

No Brasil, em 1995, as relações trabalhistas entre clube e jogador eram ordenadas pela Lei do Passe. Submetido a um regime de servidão, ainda que não renovasse o contrato, o jogador era dependente do clube para transferir-se.

O simbolismo desse regime foi Djalma Dias, pai de Djalminha, um dos maiores zagueiros da história. O Palmeiras, para castigá-lo por não renovar o contrato, praticamente encerrou a sua carreira.

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Os efeitos do caso Bosman, e que exigiram a FIFA alterar a sua legislação, chegaram ao Brasil, em 1998, com a Lei Pelé. Só que o legislador brasileiro, influenciado pela “Bancada da Bola”,   estabeleceu um critério que é mantido até hoje: o valor da multa para transferência para o exterior não tem limite. O valor é imposto pelo clube, sem ter nenhum critério de referência.

Agora que a Fifa aceitou a decisão do caso Diarra, a “humanização” das multas irá repercutir nas legislações de todos os países, inclusive no Brasil. E a única forma de “humanizar” é dar ao jogador mais direitos que o clube para negociar uma transferência.

Para o futebol da América do Sul, em especial do Brasil e da Argentina, que são os maiores provedores de jovens do futebol europeu, será um desastre. Para o jogador e o seu empresário, uma festa.

E isso vai coincidir com essa época de constituição de SAF – Sociedade Anônima de Futebol.  Considerando que o interesse básico dessas sociedades é revelar jogador para vender, a mudança de lei com a limitação de valores para transferência vai tornar o negócio menos atraente.