UFC da bola

Há tempos gostaria de escrever sobre a irracionalidade de grande parte dos torcedores de futebol. Faltava um gancho, um motivo, para eu expressar minha indignação sobre o tema.

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A motivação dessa vontade, confesso, é meramente pessoal. Quem trabalha com jornalismo esportivo administra ofensas gratuitas, mensagens desagradáveis via e-mail, ataques à competência profissional e até ameaças.

Mas – diz a cartilha – jornalista não é notícia.

Então veio o lamentável acidente vascular cerebral com o técnico do Vasco, Ricardo Gomes, neste domingo. À noite, acompanhando o noticiário sobre o caso, soube que alguns poucos flamenguistas chegaram a gritar “Uh, vai morrer” ao vê-lo deixar o estádio na ambulância. Algo incrível, horrível, medieval.

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Tive a oportunidade de conhecer o treinador pessoalmente há exatos dez anos, quando ele trabalhou no Coritiba. Sujeito acima da média, educado e inteligente. Para mim, na época, ele era um ex-jogador excepcional, porém um técnico ainda engatinhando na carreira.

A fúria da turba na arquibancada contra o comandante vascaíno surge como o retrato de uma crescente rejeição à vida em sociedade. Neste momento, algo potencializado quando o assunto é bola, vejo uma goleada da irracionalidade sobre os valores mais básicos da convivência pacífica.

Outro dia, houve uma situação digna de um filme neorrealista italiano em um ônibus de São José dos Pinhais. Era Dia dos Pais e o motorista levou o filho para acompanhá-lo na jornada de trabalho. Um grupo de torcedores – não importa a camisa – entrou no veículo e espancou ambos. A criança tinha 5 anos. O que dizer sobre isso? Revoltante.

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Mas não é só a turma do transporte público, baixa renda, os vetores da violência. Tem muito sócio-torcedor, carro no estacionamento inflacionado do estádio, camisa oficial bacana, promovendo a intolerância. Muitas mensagens agressivas encaminhadas a este jornal, por exemplo, são assinadas por advogados, dentistas, médicos, publicitários….

Enfim, com a crescente elitização dos estádios, arrisco a dizer que são os bem-nascidos os maiores responsáveis pela falta de reflexão sobre o que é torcer. É um assunto para sociólogos, mas jogo a bola quicando.

O fato é que, sem distinção de classe social, há uma ideia enraizada na cultura do país: futebol é guerra. E não se pode tolerar mais isso.

É um assunto chato, pouco frutífero, com baixa adesão, eu sei. Mas vamos tentando. Uma luta inglória em tempos de UFC.

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