O Atlético já tem a sua Dona Lúcia, a torcedora que vê tudo perfeito

Eu estava lá e vi ao vivo.

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Dia seguinte a hecatombe no Mineirão, com os 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil, na semifinal, a comissão técnica da seleção brasileira concede entrevista coletiva. Local: Granja Comary, em Teresópolis, o bunker da equipe ao longo da Copa do Mundo 2014.

Já ao final do encontro com a imprensa, enquanto o treinador Luiz Felipe Scolari tenta, pela enésima vez, explicar o esculacho em Minas Gerais, o então coordenador técnico, Carlos Alberto Parreira, interrompe a resposta para ler o email de uma torcedora.

É quando entra para a história do conjunto canarinho, pentacampeão mundial, a pitoresca Dona Lúcia. Supostamente, já que jamais teve a “identidade” revelada, apenas uma fã comum e incondicional da seleção nacional e, especialmente, do trabalho de Felipão.

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Na voz de Parreira, Dona Lúcia derrama uma série de elogios ao time, menos de 24 horas depois do maior vexame do futebol mundial. Entre outras coisas, a brasileirinha agradece a “grande felicidade que o senhor e seu grupo proporcionaram para a nossa nação”.

Por alguns segundos, a impressão é que tudo não passava de uma pegadinha, uma brincadeira. Ao fim, foram minutos eternos de vergonha alheia. Até Felipão se mostrou constrangido, exposto na bancada. Meses depois, Parreira confessou ter se arrependido do gesto.

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Criação da CBF ou não – os envolvidos negam a possibilidade –, completamente fora de hora ou não, vacilo ou não, o fato é que a Dona Lúcia ganhou vida própria. É aquela pessoa que aparece, sempre muito oportunamente, para exaltar o lado positivo das coisas.

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Como fez o Atlético em suas redes sociais nesta sexta-feira (5). O clube publicou, sem revelar a identidade do autor, um depoimento, em tom laudatório, de um “senhor de idade avançada”, segundo o print, contendo o relato de uma fulgurante ida à Arena para o jogo com o Caracas.

Dona Lúcia não faria melhor. As fortes emoções já começaram com a realização do cadastro biométrico e a compra do ingresso pela internet, de acordo com o rubro-negro, “sem dificuldades”.  E a partir daí, o atleticano faz elogios em série ao evento pela Sul-Americana.

Não duvido da existência do torcedor, nem da qualidade dos serviços prestados no Joaquim Américo. Achei a avaliação, inclusive, bastante alinhada com os discursos de Mario Celso Petraglia. E gostei do detalhismo, com espaço para celebrar até a qualidade dos banheiros.

Impressão diferente tiveram os torcedores do Furacão. Em massa, tanto no Twitter quanto no Facebook, criticaram a postagem, com diversas insinuações de que é uma armação. Se é fake ou não, pouco importa. Vale a mensagem que o Atlético quer passar.

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O mesmo sentimento que Dona Lúcia, em vão, tentou transmitir. De que é tudo maravilhoso, perfeito. Sem um mínimo de autocrítica. A posição de quem, aparentemente, está flutuando numa realidade paralela, entorpecido pela própria razão.

É o trabalho dos veículos oficiais, que alguns torcedores creem, ingenuamente, ser o suficiente para transmitir informações sobre os clubes. Não são, é claro. Exceto para quem prefere ignorar os problemas e se contenta com marketing fantasiado de informação.

Enquanto o Atlético traveste sua Dona Lúcia, quase como uma provocação, parte expressiva dos torcedores rubro-negros seguem reclamando por mais liberdade na Arena, chance de torcer sem a infinidade de restrições que são impostas pela diretoria do clube. Um mundo nada maravilhoso.

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