Opinião

Vou criar meu metaverso de futebol raiz. Quem quiser, que fique com o VAR e ingressos a R$ 1.100

Não vai ter jeito. Eu, fissurado pelos recursos analógicos, terei que mergulhar no universo digital. Vou criar meu metaverso de “futebol raiz”, na falta de uma melhor expressão. Quem quiser, que fique com o atual simulacro frouxo do esporte pelo qual me apaixonei nos tempos da clássica bola Topper.

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No sofá, com um óculos ridículo na cara, passarei meus domingos à tarde banhando os olhos em luzes de LED, queimado pelo sol que escapa dos pinheiros ao fundo do estádio. Vai dar até pra sentir o cheiro da pólvora dos foguetes, do papel picado, da cerveja choca e da fumaça que sobe espessa pelo ar.

Vou topar o convite “e aí, vamos ao jogo?” de última hora. Vou gelar com o urro da torcida visitante no gol deles. Vou tentar, sem sucesso, tremular a mais pesada das bandeiras. Vou gritar “e solta as feras” e, na hora certa, arremessar na direção do campo o meu rolo de papel higiênico.

Quem quiser, que seja marionete da Comissão de Arbitragem da CBF. Quem quiser, que financie a cartolagem. Quem quiser, que acredite na justiça fajuta do VAR, no nanoimpedimento. Quem quiser, que caia na super interpretação do lance no vídeo.

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Eu estou fora. Como um Alex DeLarge voluntário e boleiro, pálpebras rasgadas por alicates, vou me entregar ao mundo das fitas com gols gravados do Globo Esporte, das camisas de algodão, das excruciantes mesas redondas, do jogo visto em pé, no ataque, em um lado do estádio em cada tempo.

Quem quiser, que fique com os ingressos de final de Libertadores a R$ 1100, com as decisões em jogo único e com 25 minutos de intervalo para uma apresentação musical. Quem quiser, que vá à Copa do Mundo de dois em dois anos. Quem quiser, que faça o rebranding do escudo do seu time e compre FAN TOKEN.

Pra mim já encheu o saco. Vou ficar com a discussão sobre o jogo, no pré e no pós, no balcão de qualquer boteco e esquina. Vou atirar a mexerica no bandeirinha. Embalsamado em virtualidade, vou subir no ônibus da caravana, abraçar como irmão o parceiro de arquibancada após ao gol agônico.

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Quem quiser, que vá trocar replies com influencers ególatras, babar com papo de “último terço”, “jogo “apoiado”, que vá conferir o “lance ajustado”, que vibre com “gol confirmado” cinco minutos depois de a bola estufar o barbante. Quem quiser, que aplauda clube proibir torcida para não dar “prejuízo”.

Eu cansei. Quero recuperar a sensação, em flashs psicodélicos de alta tecnologia, de um futebol mais livre, espontâneo, hostil, o jogo que é um teatro maravilhoso de heróis e vilões improváveis. Quem quiser, que fique com a elitização, a hiper vigilância paranóica, a justiça eletrônica e o soccer business.

Um abraço!

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