Opinião

Com “torcida humana”, Athletico, que não para de crescer no campo, encolheu na arquibancada

Com "torcida humana", Athletico, que só cresce no campo, ficou menor na arquibancada

Com “torcida humana”, Athletico, que só cresce no campo, ficou menor na arquibancada

O Athletico confirmou na quarta-feira (7), mesma data do caneco inédito levantado no Japão, o encerramento do pitoresco, a começar pelo nome, projeto piloto “torcida humana” do Ministério Público Estadual. E o fez no melhor estilo “bode na sala”.

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A tática é manjadíssima e eficiente. Você põe um bode para morar na sala de TV de casa. E, claro, o animal passa a importunar a todos: perde o controle remoto, come e enche o sofá de migalhas, bebe e fuma desbragadamente. O passo seguinte é você dispensar o bode e sair como herói.

Foi o espírito da publicação rubro-negra no site oficial do clube. Manifesto que foi além: enumerou uma série de supostos benefícios do programa, contabilizou números positivos, exaltou a iniciativa como algo de “vanguarda” para, finalmente, anunciar o encerramento da experiência. Deu para entender?

O fato é que no período, 34 partidas desde maio de 2018, o Furacão escreveu trajetória discrepante. Ao mesmo tempo em que cresceu no campo, com méritos inegáveis e três títulos conquistados (Sul-Americana, Estadual e, por último, a taça no Japão, além da boa participação na Libertadores), o Athletico encolheu na arquibancada. Curioso, afinal, o normal é que time e torcida cresçam juntos.

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Os números, que importam, mostram. Combinando a implementação do sistema de biometria, em 2017, com a adoção da “torcida humana”, no ano seguinte, o público na Arena da Baixada despencou na comparação com as temporadas anteriores. Mesmo com a equipe em flagrante ascensão.

Desde a reabertura do estádio pós-Copa do Mundo, em 2014, o Furacão manteve médias de público acima de 16 mil pessoas por jogo. A barreira biométrica cortou quase cinco mil pessoas e, posteriormente, a “torcida humana” também impactou. Passou a ser impossível verificar a presença dos visitantes, mas algumas torcidas costumavam lotar o setor antes destinado aos forasteiros.

Em 2018 a média de público do Athletico ficou em apenas 10.570 no Nacional, contra 18.821 da disputa. E em 2019 aponta 13.095, diante de mais de 20 mil da competição. Atualmente, o clube ostenta apenas a 15ª maior entre 20 participantes. Fosse instituído um rebaixamento por estádio vazio para os quatro últimos e o Furacão estaria ameaçado. E não vamos nem falar no prejuízo econômico.

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As consequências, entretanto, foram além. No embalo da medida, o torcedor atleticano que mora fora de Curitiba passou a ter o mesmo tratamento daqueles que só queriam ver o time do coração, curtir a paixão clubística, estar ao lado dos seus e das suas cores. Para os visitantes na Arena, e para os atleticanos espalhados pelo país, ir ao jogo só como “torcedor infiltrado”, sem poder se manifestar, numa espécie de “amor clandestino”.

Agora, meu ponto nem está meramente nos números. E os apresentados pelo Furacão são evidentemente frágeis para indicar o triunfo da empreitada. Uma redução de 14% do efetivo policial para os jogos (de 170 para 151) e de 28 ocorrências com as duas torcidas para 20 com a “torcida única”. Tanta “inovação” para isso?

A conversa é mais conceitual do que amparada em estatísticas. O problema, na minha avaliação, foi a imposição de um modelo autoritário, divorciado da cultura do esporte, baseado numa realidade artificial e, como vimos, de efeitos práticos e econômicos questionáveis, que, não por acaso, acabaram abandonados.

É urgente o problema da violência no futebol brasileiro, há décadas espreitando os estádios e, especialmente, explodindo nas cercanias e terminais de ônibus. Assim como é inadiável a questão da segurança pública no país, campeão mundial de homicídios, com mais de 65 mil pessoas mortas em 2017. Mas, não há solução simples para questões complexas e históricas.

Então porque a violência é endêmica no Brasil eu sou a favor de pais de família serem esfaqueados em estádios, tiro o chapéu para o assédio de mulheres nos campos, quero que crianças apanhem das torcidas organizadas em dia de futebol? Em tempos de debates radicais, é bom deixar claro, não.

O que se experimentou, no entanto, foi um projeto atrapalhado e arbitrário, que gerou insatisfação generalizada (inclusive nos torcedores do Athletico), empurrado goela abaixo pelo presidente do Conselho Deliberativo do clube, Mario Celso Petraglia, e pelo promotor do MP-PR, Maximiliano Deliberador.

Foi-se a “torcida humana”. Voltará algum dia? Não duvido. Por enquanto, passou como uma medida contra a cultura do esporte, uma ameaça ao calor da arquibancada, um cala-boca no duelo entre as torcidas, tão fundamental quanto o combate, na bola, dentro de campo. Da minha parte, de quem desde o começo se colocou contra, é um alívio momentâneo.

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