Quase quatro anos após ser aprovada pelos sócios, a implementação de uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) no Athletico ainda não saiu do papel. Nesse período, o cenário do futebol brasileiro mudou, o clube vive outra realidade e a própria decisão tomada pelos associados tem validade questionada:
Afinal, Petraglia pode concluir a venda até o fim de seu mandato, em dezembro de 2027, sem consultar os associados novamente?
A assembleia geral extraordinária sobre o assunto aconteceu em 11 de novembro de 2021, data em que os sócios do Furacão autorizaram o Conselho Deliberativo a “conceber o modelo e praticar todos os atos necessários que visem a implementação no clube do regime jurídico de uma SAF”.
Segundo os resultados divulgados na ocasião, 5.131 sócios votaram pela internet. Foram 4.591 votos pelo “sim” e 540 votos pelo “não”.
Apesar da aprovação, advogados e ex-dirigentes do clube ouvidos pela reportagem do UmDois Esportes dizem que o aval dado na ocasião não basta para que o negócio seja efetivado sem uma nova consulta aos associados. Especialmente porque o contexto atleticano mudou completamente desde então.

De protagonista continental a coadjuvante na Série B
No final de 2021, quando a implantação da SAF recebeu o aval dos sócios, o Furacão estava às vésperas da conquista do bicampeonato da Copa Sul-Americana. Havia levantado recentemente o troféu da Copa do Brasil e estava prestes a chegar mais uma vez à final do torneio.
Com sucesso esportivo, estrutura de ponta e boa situação financeira, o Athletico era visto como o clube com maior potencial para atrair investidores. Era a “noivinha mais bonita do futebol brasileiro“, nas palavras do presidente Mario Celso Petraglia, que nunca escondeu seu desejo de transformar o Furacão em SAF.
Parecia uma questão de tempo para que um comprador fosse encontrado. O clube contou com a consultoria do Bank of America para buscar um modelo e um parceiro. O valor do negócio chegou a ser avaliado entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões.
Mas, até agora, não apareceu um investidor que tope os valores e as condições desejadas pelo Rubro-Negro. Quem faz o papel de intermediário hoje na busca de interessados é o BTG Pactual.
Quatro anos depois, a realidade é bem diferente. Em uma temporada trágica no ano de seu centenário, o Rubro-Negro foi rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro. E mesmo com investimento muito superior aos concorrentes, faz campanha decepcionante na Segunda Divisão. Está mais próximo da zona de rebaixamento à Série C do que da briga pelo acesso.
A dinâmica das SAFs no futebol brasileiro também foi distintada que era imaginada em 2021. Ao invés dos clubes mais bem estruturados e em melhor condições financeiras, o mercado até agora preferiu apostar em clubes endividados e em crise, na busca por investimentos mais baixos e retorno mais rápido.

Ex-dirigente vê necessidade de nova assembleia
Para José Lucio Glomb, que renunciou ao cargo de segundo vice-presidente do Conselho Administrativo no início deste ano, uma nova assembleia geral dos sócios deve ser convocada antes do clube tomar qualquer decisão sobre a SAF.
“Ninguém vai pagar R$ 2 bilhões por um clube como o Athletico se não tiver uma assembleia geral ratificando todos os atos. Não me passa pela cabeça que alguém faça isso”, disse em entrevista ao UmDois Esportes no fim de janeiro.
“Apesar de que hoje eu já mudei de ideia. Na minha opinião, hoje a SAF está beneficiando aqueles clubes que estão basicamente quebrados. Que depois ainda fazem uma concordata. Esses são os clubes que os empresários estão adquirindo. Clubes que estão mais bem estabelecidos, como o Athletico, estão sendo prejudicados pelas SAFs dos outros clubes que não honravam os seus compromissos”, completa o ex-dirigente, que já foi presidente da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“Acho que sempre uma mudança dessa magnitude tem de ter a maior transparência possível. Não seria nenhum exagero submeter novamente essa pauta, tão importante para vida do clube, aos membros do Conselho Deliberativo, para que uma nova assembleia geral revisite o tema, confirmando o entendimento ou não. Situações mudaram e é preciso avaliar melhor a questão das SAFs”, aponta o advogado Henrique Gaede, que também deixou o Conselho Administrativo atleticano neste ano.
Especialista diz que nova consulta traria mais segurança
O advogado Luiz Daniel Haj Mussi, especialista em direito societário e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda com a necessidade uma nova consulta. Mussi não questiona a validade da decisão tomada em 2021, mas diz que o Athletico deveria buscar o respaldo de uma autorização mais atual para seguir adiante com um projeto que pode mudar a estrutura institucional do clube.
“A assembleia geral é soberana e naquele momento, concedeu a autorização para que os órgãos administrativos do clube levassem adiante esse projeto. Essa autorização não tem um marco temporal. Ela é válida, eficaz e a diretoria e o conselho tem a discricionariedade para levar esse projeto adiante. Mas passaram-se quatro anos e seria conveniente e oportuno que houvesse uma nova autorização, porque as condições do clube e do mercado podem ter se alterado. É até uma lógica do mundo dos negócios, para evitar qualquer tipo de risco, que os diretores do clube tivessem o respaldo de uma autorização mais atual”, avalia.
De qualquer forma, Mussi ressalta que a implementação efetiva de uma SAF provavelmente teria que ter seus termos aprovados aprovados por uma nova assembleia geral.
“Aquela foi uma autorização muito genérica, muito ampla. A depender do formato que venha a ser proposto, faria sentido que a assembleia fosse novamente consultada. Pode haver a transformação do clube de associação para SAF, a cisão do departamento do futebol, a transferência de patrimônio… Então em uma segunda etapa os associados teriam que aprovar o que foi negociado, passando por uma assembleia novamente. Seria uma mudança estrutural e nesse caso a assembleia tem que ser ouvida. Aquela autorização genérica dada lá atrás não seria suficiente para se implementar a SAF por completo”, afirma o advogado.

Estatuto exige aprovação dos sócios para mudança
O estatuto do Athletico tem regras claras para a transformação do clube em pessoa jurídica de distinta da associação. De acordo com o Artigo 5º, em seus parágrafos 1º e 2º, uma alteração só é possível com as seguintes condições:
- Proposta do Conselho Deliberativo subscrita por no mínimo metade mais um dos membros efetivos.
- Aprovação dessa proposta em escrutínio secreto por dois terços dos integrantes do Conselho Deliberativo.
- A decisão do Conselho Delibertativo deverá ser ratificada pela Assembleia Geral especialmente convocada, mendiante voto secreto de pelo menos dois terços de seus membros.