Na virada do século, quando começou a sair de cena o velho football association para a ascensão do soccer bussines, os mapas de calor e estatísticas já começavam a fazer a diferença nos softwares que rodavam no Windows XP do CT do Caju, mas não tanto como hoje em dia.
Já a estratégia do clube para montar seu elenco, porém, era muito parecida com a atual: caprichar na formação de base, prospectar jogadores promissores em clubes de menor expressão e fazer apostas eventuais em jogadores com potencial técnico, mas escanteados em seus clubes por alguma questão e que aqui poderiam ter espaço e condições para deslanchar.
Falando com os caras do plantel campeão, vários apontaram uma figura fundamental deste processo: o elegante ex-cartola Antônio Carletto Sobrinho, o olheiro craque do país daqueles dias.
Foi ele que em 1998 indicou três jovens dos juniores do Botafogo de Ribeirão Preto, o atacante Lucas (cuja venda milionária financiou o ano de 2001), o zagueirão rock’n’roll Gustavo Caiche e o volante Cocito, que nasceu para jogar no CAP. Mas havia outros olheiros e uma direção que entendia de bola.
Mas o certo é que o processo de prospecção de atletas do Athletico entre 1995 e 2001 também foi revolucionário. Havia um colegiado de dirigentes como Ademir Adur, Ennio Fornea e, principalmente, o diretor da base, Paulo Abagge, que montou uma rede de contatos e informantes pelo país.
Foi assim que, entre 1995 e 2001, o Athletico conseguiu garimpar talentos que ninguém viu como Adriano e Flávio (CSA), Kléber (Motoclube) e tantos outros, entre eles boa parte do elenco que foi campeão em 2001 a preços bons em baratos.
O pessoal diretamente envolvido estima que o clube arrecadou cerca de 60 milhões de dólares entre 1995 e 2002 só com a venda de jogadores marcados com o selo atleticano.
De resto, Kléberson surgiu nas canteiras do clube num projeto de parceria bem-sucedida com o PSTC, da região de Londrina, que abasteceu de craques o Athletico na primeira metade da década de 2000. Outros jovens do elenco eram Igor, Ivan, Dagoberto e Daniel.
Ilan, revelado pelo Paraná, veio do São Paulo. Rogério Corrêa, silenciosamente, de Goiás, e os laterais Fabiano e Alessandro, que estava sendo convocado para a seleção brasileira em 2001, eram remanescentes de 2000. No banco ainda, o maranhense Pires e o carioca Douglas Silva, “madeira de dar em doido” e o meia cearense Geraldo, que parecia veterano, mas tinha apenas 27 anos.
As duas maiores apostas foram em Nem e Souza.
Souza (foto abaixo) foi a cereja do bolo. O meia canhoto era um grande e mal compreendido craque. Sua contratação não obedecia a lógica de negócios do clube. Grande batedor de falta, fosse vindo do banco ou jogando, Souzinha era o luxo daquele time. Decisivo, fez seis gols na campanha.
Nem (foto abaixo) era uma aposta de risco. Muito bom tecnicamente, naquele momento era estigmatizado no país por ser muito violento e inconstante. Tinha perdido mercado em São Paulo, mas vinha de um ano excelente com o Paraná onde foi líbero de Geninho. Aqui brilhou, bebeu, brigou e comandou a conquista e levantou o caneco. Depois bateu no peito e disse cheio de razão “sou o melhor líbero do Brasil”.
Como a maioria dos grandes craques rubro-negros, Alex Mineiro chegou sem alarde como parte de uma troca com o Cruzeiro. Felipão queria (porque queria) o volante Marcus Vinícius e incluiu o carrasco dos coxas Luisinho Netto no pacote.
De lá, a Raposa mandou o volante Donizete Amorim (autor do gol do título paranaense de 2001) e o Athletico queria o meia Paulo Isidoro. O jogador, revelado pelo Vitória, estava voltando de lesão e jogou franco com o Furacão: melhor não arriscar.
Foi então que Donizete Amorim sugeriu outro mineiro como ele, chamado Alexander Pereira Cardoso, mais conhecido por Alex. O centroavante tinha perdido espaço lá, pois o Cruzeiro abriu o cofre para contratar Edmundo. O Animal não se criou em Belo Horizonte. Já Alex Mineiro nos deu o título, recuperou nossa capacidade de sonhar e refundou o orgulho e sentimento atleticanos. Que troca, senhoras e senhores.
Um elenco bom e barato. Um time de macacos velhos e jovens com fome de bola e boêmia. Nem de longe o favorito ao título na visão dos especialistas para quem o campeonato ficaria entre o Vasco de Euller e Romário, o Flamengo de Petkovic, o Cruzeiro de Edmundo e Rincón ou mesmo a sensação São Caetano. Todos, com exceção do Vasco, foram devidamente atropelados pelo Athletico.
E quando o time levantou o caneco, o técnico Geninho sacramentou:
“Foi o time campeão com mais bandidos”.
Sandro Moser é jornalista, escritor, autor da biografia “Sicupira – Vida e gols de um craque chamado Barcímio”. Convidado pelo UmDois Esportes, o atleticano encarou o desafio de recontar a odisseia atleticana que completa 20 anos.